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Destemidamente, é preciso compreender o homem em seu momento mais baixo: quando ele não resiste à tentação luciferiana de se igualar a Deus.
Destemidamente, é preciso compreender o homem em seu momento mais baixo: quando ele não resiste à tentação luciferiana de se igualar a Deus.| Foto:

Aí eu disse para ela que minha ideia era escrever que amava Alexandre de Moraes. Ela me perguntou por que esse e não outro. “Você parece obcecado! Por que não o Lula?”, perguntou ela. Ao que respondi calmamente que não estou obcecado e bem poderia ser também o Lula. “Na verdade pode ser qualquer pessoa que eu ou você consideramos inimigos, adversários, antagonistas”, expliquei, com uma paciência que não era minha. Ela me perguntou se essa coisa de amor se aplicava também àqueles que desconhecem minha existência e aos quais este texto não vai chegar. Respondi com uma saraivada de sins. E ainda disse que...

Mas espere! Acho que comecei este texto açodado demais. Essa é uma das, senão a maior, dificuldade de se escrever. Às vezes você tenta preparar o terreno para o leitor, sem se dar conta de que ele está com pressa, e o perde antes mesmo  do segundo parágrafo. Às vezes, porém, você vai direto ao assunto e acaba espantando o leitor. Sobretudo aqueles sem paciência para a ironia, as nuances e muito menos essa coisa démodé chamada compaixão.

Melhor, então, começar explicando de onde é que surgiu essa ideia insana de propor, em plena segunda-feira, que o leitor ame Alexandre de Moraes. Ou Lula. Ou qualquer pessoa que você considere um inimigo pessoal, político ou “da sociedade”. E quando digo “amar”, por favor, não confunda o verbo divino com “admirar” ou “idolatrar”. Aqui o amor se traduz justamente naquilo que o alvo (Alexandre de Moraes) me parece incapaz de dispensar aos seus semelhantes: compreensão, compaixão e perdão.

Sem mais delongas, a ideia surgiu da leitura do Evangelho de Mateus. Mais especificamente Mateus 5:43-44, onde se lê: “Vocês ouviram o que foi dito: ‘Ame o seu próximo e odeie o seu inimigo’. Mas eu digo: ‘Amem os seus inimigos e orem por aqueles que os perseguem’”. Uau! Nada poderia ser mais simples. E difícil. Afinal, vivemos a era do desprezo, da indiferença, do desrespeito. A falecida Constituição de 1988 e o mítico Estado Democrático de Direito que o digam!

E poucas personalidades do mundo político-jurídico personificam mais todo esse desprezo, indiferença e desrespeito do que Alexandre de Moraes. O homem que não enxerga limites para o triunfo de sua vontade. O homem cujos frutos podres (o aprofundamento da divisão ideológica, a descrença na “democracia” e na Justiça, etc.) qualquer morador de grande cidade pode constatar hoje mesmo. Basta ir para a frente de um quartel onde esteja havendo manifestação.

Até aqui, tudo bem, né? Só espero que você não seja um daqueles leitores contaminados pelo espírito iluminista e pelo antropocentrismo intelectualoide, do tipo que tem alergia a citações bíblicas. Se este for o seu caso, sinto muito. Me desculpe. Coisa e tal. Para compensar, aqui está a referência um pouco mais secular em que também se baseia a proposta deste texto: “Love Your Enemies: How Decent People Can Save America from Our Culture of Contempt” [Ame seus inimigos: como as pessoas decentes podem salvar os Estados Unidos da nossa cultura do desprezo].

Se não estiver satisfeito, você pode tentar também o Jordan Peterson. Que, num dos melhores momento de seu “12 Regras para a Vida”, fala da importância de não deixarmos que o ódio nos transforme em escravos de nossos inimigos. (Estoicismo 2.0, mas tá valendo).

Quem sabe um dia

Pronto. Agora que estamos munidos de uma referência cristã e duas mais seculares, acho que dá para falar na dificuldade extrema dessa coisa de amar nossos inimigos, estejam eles próximos ou distantes – quiçá num gabinete de um prédio projetado por Oscar Niemeyer na Presteslândia, digo, Brasília. No caso de Alexandre de Moraes, tudo conspira para o tornemos alvo preferencial do ódio coletivo.

Porque é natural que, tomados pela soberba própria do cargo que ocupam da forma que ocupam, homens como o ministro percam aos poucos suas referências humanas. Lentamente, eles se transformam em personagens abstratos, desprovido de humanidade, individualidade e personalidade. Eles perdem o que quero e vou chamar aqui de alma e passam a personificar ideias.

Ainda assim, insisto: amar o inimigo é preciso. A despeito de toda a dificuldade e até da cara feia do leitor que deve estar pensando que enlouqueci. De alguma forma tenho que me esforçar para enxergar o ser humano por trás da máscara ideológica que ele acha que o protege, quando na verdade o aprisiona. É preciso se compadecer. Destemidamente, é preciso compreender o homem em seu momento mais baixo: quando ele não resiste à tentação luciferiana de se igualar a Deus.

Mas terminei aquele parágrafo inicial apressadinho com reticências que clamam por algo que as complemente. E aqui está: ainda disse a ela que amar o inimigo, sobretudo em se tratando de um personagem, exige um esforço sobre-humano – adjetivo que não uso à toa. “Não sei se consigo, mas vou tentar. Juro que vou”, prometi. E venho cumprindo a promessa com razoável sucesso, mas temo que este meu recém-encontrado amor pela calva mais odiada do Brasil só dure até Alexandre de Moraes aprontar outra vez. O que seguramente vai acontecer. E se repetirá ao longo dos próximos vinte anos. Sem que haja qualquer hesitação, quanto mais arrependimento.

Vai ser difícil. Quase impossível. Mas vou continuar tentando. Quem sabe um dia.

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