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Será que sobe a rampa?
Será que sobe a rampa?| Foto: EFE/ Joédson Alves

Se meus colegas jornalistas estivessem interessados não em transformar, e sim em retratar (contemplar) a realidade que nos cerca, jamais chamariam os manifestantes que ainda hoje se mobilizam diante de quartéis de “golpistas”. É gente simples, que muitas vezes desconhece as leis e as teorias por trás da organização do Estado, e não conspiradores ou maus perdedores. São pessoas que, em seu desespero absolutamente democrático, ainda têm de ouvir a humilhação suprema: perdeu, mané.

Aliás, ouso dizer que há mais espírito democrático numa pessoa que está dos quartéis pedindo uma solução mágica do que num jornalista que não pensa duas vezes antes de chamar os manifestantes de golpistas. De antidemocráticos. De bolsonaristas. De fascistas. É uma convicção democrática, porém, diferente daquela que tanto seduz a elite intelectual e cujos efeitos se vê pelas palavras e ações dos ministros do STF.

Daí por que é importante contemplar o caráter dos manifestantes que são ao mesmo tempo espontâneos, intempestivos e de uma ingenuidade tocante, capaz de acreditar até mesmo que o ex-presidiário eleito, Lula, foi substituído por um sósia que se deixou filmar tirando a máscara. Contemplar, e não julgar. Compreender, e não transformar. Retratar com a fidelidade de um Robert Capa, e não com o espírito revolucionário de um Sebastião Salgado.

Irmão contra irmão

Só a partir da compreensão que se segue à contemplação (de novo ela!) é que se consegue propor saídas outras que não a violência revolucionária ou contrarrevolucionária. Mas a esquerda não contempla; ela transforma. Ou pretende transformar, mas sempre fracassa ao tropeçar na própria soberba.

Lula e os ministros esquerdistas do STF, por exemplo, se dizem os únicos capazes de pacificar o país – o primeiro por meio da picanha barata e o segundo por meio da “usurpação virtuosa do poder”. Erro duplo que pode custar ao país sua relativa paz, porque parte do pressuposto de que o brasileiro é (i) absolutamente venal e (ii) totalmente submisso à tirania da toga e suas letras frias e imorais.

Aquele que atende pela alcunha de Lula só se interessa por uma coisa: Lula. E os ministros esquerdistas do STF só se interessam por uma coisa: impor pautas progressistas goela abaixo da população que eles consideram, digamos, não totalmente iluminada. O primeiro vive um delírio narcisista incapaz de entender como é possível que metade de um país não o considere um deus. Os demais estão ocupados em criar uma ditadura que insistem em chamar de democracia só por escárnio.

Taí o “perdeu, mané!” que não me deixa mentir. Mais do que um jargão que o ministro deve ter aprendido nos guetos da sua alma escura, o “perdeu, mané!” é uma confissão de que a esquerda progressista adora pôr irmão contra irmão nas ruas porque isso a beneficia politicamente. Eis o dilema dos conflitos contemporâneos: estamos lidando com uma turba que não está nem aí para a honra. Isto é, para aquilo que os lançaria na Eternidade.

Lula III

Para você ver como são as coisas. Antigamente se dizia que algo só existe se é mostrado pela televisão. Hoje não mais. O movimento diante dos quartéis, por exemplo, existe - ainda que, por mesquinharia, se tente ignorá-lo. Ele tem cor. Tem cheiro. Tem som. Qualquer um que quiser pode se aproximar e tocar naquelas pessoas. Ouvir o que elas têm a dizer. Não é um movimento de robôs nem de personagens tirados de alguma ideia mirabolante nascida da imaginação miserável de um intelectual petista.

Engana-se, pois, quem acredita que basta uma ordem de Jair Bolsonaro para desmobilizar esse movimento. Ou que ele desaparecerá depois do dia 19 de dezembro, quando Lula e Alckmin serão diplomados pelo TSE. Ou mesmo depois que Pabllo Vittar começar a entoar o Hino Nacional na cerimônia de posse de Lula III.

Só mesmo um regime de força, baseado na violência institucionalizada e na censura chancelada pelo Judiciário (e apoiada por, veja só!, a imprensa), será capaz de causar danos reais a esse movimento que não tem nome nem líder e que (já disse, mas não custa repetir) se baseia numa ideia quase instintiva de democracia. Isto é, somente uma ditadura será capaz de pôr fim ao espírito antipetista, antilulista e antijuristocracia que paira sobre ao menos metade do país. Resta saber se a elite, sempre tão, oh, esclarecida & iluminada & limpinha, vai engolir o orgulho e apoiar uma ditadura de esquerda no Brasil.

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