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— Chega de crise! Bora escrever! – me diz ela. Ah, a quem estou querendo enganar? Manda ela.
Arfo como arfavam resignadas as mocinhas dos romances do século XIX. Pego o computador e escuto um grito seguido por um estrondo, como se um elef. Mas o que é que estou dizendo, meu Deus? Escuto um grito e sinto no rosto uma leve brisa, como se uma pluma tivesse caído no chão. Saio correndo.
Encontro a minha senhora desacordada como uma donzela de pintura rococó, exceto pelo celular na mão. Me abaixo e fico aliviado ao constatar que ela vive e até ronca um pouquinho. Na tela do celular, vejo uma mensagem da Denise. A mensagem reproduz o tuíte em que Gleisi Hoffmann passa um pito em Bolsonaro. Mas não é o pito destrambelhado de sempre. É um pito que faz sentido. Explico.
Olha só que chique!
É que o ex-presidente, no afã de defender Trump e atacar o ministro Taxad, escreveu uma bobagem digna de Janja: “Alguém avisa ao Haddad que o Trump está taxando os outros, não o próprio povo”. Ao que a sempre belicosa e rarissimamente sensata Gleisi Hoffman, recém-promovida a ministra das Relações Institucionais (olha só que chique!) respondeu: “Vamos desenhar pra ver se Bolsonaro entende: quem paga a conta do aumento de taxas dos produtos importados que Trump está anunciando é o consumidor dos Estados Unidos, porque tudo fica mais caro lá”.
“O quê? A Gleisi disse/escreveu mesmo isso? Não é possível! Só pode ser o fim do mundo, o apocalipse, o armagedom, o Juízo Final”, foi o que pensei até lembrar que minha mulher continuava desmaiada. Nessa hora, para a cena ficar ainda mais dramática e assustadora, ouviu-se um trovão daqueles de fazer tremer o prédio inteiro. E um corvo crocitou.
Lei Maria da Penha
De repente, ouço gritos no corredor do prédio. Portas batendo. Mais gritos. Mais. Como gritam! O que será que está acontecendo? Penso que deve ser um incêndio e, mentalmente, começo a fazer uma lista das coisas a serem salvas: minha coleção de selos, claro; o livro autografado pelo Millôr; o caderninho de ideias e meu livro de poemas. Sim, tenho um. Ah, e a Catota também.
Desesperado, mas não muito, ignoro o risco de ser enquadrado na Lei Maria da Penha e dou três tapinhas no rosto da minha mulher. Nada. Se eu der mais um, com um pouco mais de força, será que ela acorda? Será que vou preso? Olho em volta para me certificar de que não tem ninguém olhando e.
Que fase!...
— Gleisi! – diz ela, os olhos arregalados.
— Não. Paulo — corrijo, um pouco insultado, sim. — Vamos! Temos que sair rápido daqui. O prédio está pegando fogo. Onde está a minha coleção de selos? — digo e pergunto e vou me levantando esbaforido, perdido e confuso. Ou seja, normal.
— Não, meu amor — diz ela, toda calma (deve ter batido a cabeça na queda). — A Gleisi. Olha aqui. Ela escreveu algo sensato. Ela, Gleisi Hoffmann, aquela do PT e da lista da Odebrecht, a que chama Haddad de neoliberal e que, por lealdade bovina, apoia todas as causas absurdas do partido. Essa Gleisi disse algo sensato para o Bolsonaro.
— Para o Bolsonaro? Que fase!... — comento. — Mas agora tenho que escrever — informo, me esquecendo por completo do fogo.
Arrependa-se!
Eis então que ouço mais gritos no corredor. Mais portas batendo. Outro trovão. Mais gritos. Desta vez, porém, os corvos corvejam. Mais curioso do que destemido, saio para o corredor e encontro meu vizinho tentando equilibrar uma criança numa das mãos e o celular na outra. (Adivinha o que perguntei para ele).
— O que está acontecendo?! O prédio está pegando fogo?!
(Adivinhou!).
— É o fim do mundo, cara! Arrependa-se! Agora cai o meteoro! Você não tá sabendo, não? Olha aqui — diz ele, me estendendo o celular. Estava crente de que assistiria ao vídeo de uma imensa bola de fogo prestes a cair no Pilarzinho, mas não. É de novo um tuíte (ou seria xuíte?). Desta vez, do rachador confesso e enfant terrible da política nacional: André Luis Gaspar Janones. Explico, antes que o fogo se alastre. Ou o meteoro caia. Sei lá.
Campanha de cancelamento
No fim de semana, o Frei Gilson foi alvo de uma campanha de cancelamento por parte de esquerdistas que tentavam associar o sacerdote mais popular do país à extrema-direita, ao patriarcado, à Brasil Paralelo e, por fim, ao bolsonarismo. Mas... deu xabu. O cancelamento não funcionou e a esquerda saiu do episódio com a fita mais queimada ainda. Como se isso fosse possível.
Aí entrou em cena ele, André Janones. Não para jogar gasolina no fogo, como era de se esperar de um troublemaker da pior qualidade, e sim para dizer que “não basta ser rejeitado pelos evangélicos, vamos fazer uma cruzada contra os católicos também, aí a gente se elege só com o votos dos ateus em um país em que quase 80% da população é católica ou evangélica. Que tal?”
Derrota em 2026
Sim! É uma crítica à esquerda, chamada por ele de “burra e arrogante” no decorrer do tuíte. Ao que eu acrescentaria mais um adjetivo: oportunista. Janones que, no meio da sua mensagem, até me deixou alegrinho ao escrever: “Incrível como a arrogância do nosso campo se sobrepõem (sic), mesmo com impopularidade e uma derrota cada vez mais real em 2026”. A alegria, porém, deu lugar ao—
— Ué. Não tava em crise? — pergunta ela, me observando há não sei quanto tempo.




