
No século V antes de Cristo, o filósofo Demócrito afirmou que “é difícil ser governado por um inferior”. Meio século mais tarde, o muito mais popular Platão disse algo parecido: “o maior castigo para quem se abstém da política é ser governado por um inferior”. Por algum motivo, nessa época os gregos, pais da democracia que deu nisso que temos hoje, estavam preocupados com a possibilidade de serem governados por “inferiores”.
Falar em “inferiores” é complicado. Principalmente depois do que aconteceu no século XX, que criou uma hierarquia para lá de imoral e pseudocientífica para justificar a eliminação de todos os que não contribuíam para o “melhoramento da Humanidade”. É a famosa eugenia, que ainda hoje serve de base para muitas causas progressistas, do aborto ao ambientalismo.
A maioria das pessoas, contudo, entende que hierarquias são naturais e existem para além da diabólica mentalidade eugenista. Elas entendem que há diferenças entre os indivíduos e veem com naturalidade a existência de pessoas que são melhores nisso e outras, naquilo. Eu, por exemplo, escrevo melhor do que algumas pessoas. Em compensação, sou péssimo numa infinidade de outras atividades. Na verdade, a única coisa que eu faço decentemente na vida é escrever. E olhe lá!
As frases de 2500 anos atrás, contudo, ajudam a lançar alguma luz sobre a rejeição que personagens como o presidente Jair Bolsonaro e o ex-presidente Lula despertam hoje em dia. O antibolsonarismo e o antilulismo existem porque sempre haverá milhões de alguéns se sentindo liderados por um inferior. E indignadas com isso. Numa sociedade que insiste em dizer que todos são extraordinários e vencedores inatos, tanto pior. Poucos se dão conta de que numa coisa ao menos os políticos talvez sejam melhores do que nós todos: a esperteza. Ou malandragem – chame como quiser.
Além disso, e como a democracia se transformou num mero concurso de popularidade decidido pelo voto de analfabetos funcionais que se consideram esclarecidos, é muito... fácil se sentir de alguma forma superior às lideranças atuais. E aqui não me refiro apenas àqueles que pretendem ocupar o Trono de Ferro do Executivo federal. Convenhamos: hoje em dia é muito fácil se sentir superior até mesmo à liderança que, em teoria, está mais próxima da população: o vereador.
Ajuste no olhar
Com um agravante. No ordenamento brasileiro, há cargos importantes que têm sua legitimidade atrelada a uma respeitabilidade não eleitoral advinda justamente da posição numa hierarquia assim meio abstrata. Meio esotérica. Juízes, por exemplo. Ou até médicos. Se vou a um médico e ele diz “pra mim fazê”, por exemplo, imediatamente me sinto superior a ele. E alguma coisa se perde. Passo a desconfiar das capacidades técnicas do médico. E, porque o domínio da linguagem é muito importante para mim, rejeito o médico como um todo.
O mesmo fenômeno acontece na política, quando nos consideramos de alguma forma superior àqueles que nos lideram. Quer ver? Vamos fugir um pouco da polarização Bolsonaro/Lula e pegar um personagem que já foi herói nacional e hoje conta com uma rejeição digna de tese: Sergio Moro. Lá no auge da Lava Jato, era fácil se sentir de alguma forma inferior a Moro. Afinal, ele era o juiz humilde que, com sua marmitinha debaixo do braço, lutava contra poderosos, fazendo uso apenas de seu conhecimento na aplicação da lei. Uau!
Mas aí ele abandonou a magistratura e todos sabemos como essa história termina. Moro passou a ser visto, primeiro, como um igual. Depois, como alguém incapaz de tomar decisões minimamente acertadas. Hoje não é raro encontrar alguém que o veja como um desastre político ambulante, incapaz de liderar uma mísera reunião de condomínio.
E, bom, fico feliz que você tenha chegado até aqui, porque não menosprezo a inteligência do meu leitor e, sendo assim, reservei para você um parágrafo final todo especial: este. No qual digo que a “solução” para este “problema democrático” (quantas aspas!) talvez não esteja nas lideranças – que são humanas e têm os pés de barro, como se diz. A solução talvez esteja na forma com que olhamos para essas lideranças e naquilo que esperamos delas. Moro só caiu em desgraça porque víamos nele alguém capaz de consertar um aspecto deplorável do país: a corrupção. E acreditou nisso. Tivéssemos esperado dele apenas o trabalho discreto e honesto de um bom juiz, sem qualquer tipo de idolatria ou esperança assim messiânica, talvez ele ainda fosse digno da nossa admiração – que se traduz em voto.
Disse que o parágrafo anterior era o último, né? Menti. Porque preciso deixar claro (sem jamais menosprezar o leitor) que o mesmo serve para Jair Bolsonaro. Que caiu em desgraça para todos aqueles que esperavam dele algum tipo de presidente ideal. Ou para Lula – se é que algum leitor meu admire Lula a ponto de considerá-lo um líder superior em outra coisa que não a abominável malandragem. Por isso, e não por má vontade ou má-fé (pelo menos não sempre), é que se cobrava e ainda se cobra tanto decoro de Bolsonaro. Por mais que os arautos da igualdade venham me contradizer, a realidade é que ninguém gosta de ser comandado por alguém que enxerga como moral, intelectual ou culturalmente inferior. Ninguém vota em candidato que leva o eleitor a pensar “no lugar dele eu faria melhor”. E agora, sim, o texto acabou.
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