Atenção, todos os monitores de fake news e discurso de ódio do Departamento de Monitoramento de Fake News e Discurso de Ódio do TSE! O colunista acaba de se sentar para escrever. Repetindo: o colunista acaba de se sentar para escrever. Todos em seus postos! Atenção máxima! O elemento é perigoso e está fortemente armado com palavras polissilábicas e ironias de grosso calibre. Todo cuidado é pouco.
De repente, soou um alarme. A sala toda tremeu. Os sistemas entraram em curto-circuito. Algumas telas e odiômetros e fakenewsômetros explodiram. Todo mundo se perguntava o que foi isso?! o que foi isso?!, sem coragem de olhar para o monitor que exibia tudo que o colunista escrevia. Eis que então uma porta se abriu e dela surgiu a grande figura calva, imponente e deliciosamente caricaturável da crônica de hoje. “O que foi que houve?”, quis saber o sempre ridículo Tonhão.
Outro alarme. Outro terremoto. Seguuuura, peão! Mais faíscas e explosões. Até que um funcionário do DeMoFaNDO ousou olhar para a tela e, com a voz trêmula, informou ao chefe. “É que o elemento primeiro o chamou de ‘ridículo’. Mas depois apagou. E agora ele chamou Sua Excelência Excelentíssima Máxima de.. de... de... Tonhão”, disse. Tonhão foi ficando vermelho de amor pela democracia, mais vermelho, mais, mais, mais, não aguentou e explodiu!
“Quem esse verme acha que é para tentar me ludibriar assim?! Todos sabem que meu nome é...”, disse. Mas bem na hora outro alarme soou, tornando seu trovejante nome inaudível. “O que foi desta vez?!”, perguntou Tonhão. “Será que ele não tem medo de mim?!”. Os monitores tiveram que segurar o riso. Menos um deles, que resumiu num tom grave o que o colunista tinha escrito até ali. “Abre aspas, blá, blá, blá, onde é que eu estava mesmo? Ah, sim: Tonhão parece ter sucesso perseguindo seus inimigos, mas no fundo ele sabe que é um fracassado que um dia, lá na sua remota juventude, deve ter sonhado ser um juiz respeitado. E, no entanto, se transformou... nisso. Fecha aspas”, leu o funcionário.
Disfarçadamente, Tonhão enxugou uma lágrima. De si para si, pensou que o colunista tinha razão. Mas claro que não disse nada. Ele pigarreou e retomou sua postura democraticamente imperial. “E agora? O que é que ele está escrevendo? Por que não soou mais nenhum alarme?”, perguntou Tonhão. Os monitores se entreolharam, até que um deles perguntou: “Vossa Excelência Poderosíssima quer mesmo saber? Tem certeza disso?”. Tonhão fez que sim com a cabeçorra reluzente.
“Di——”
O funcionário então contou ao ministro Tonhão que o colunista estava escrevendo tudo o que acontecia ali, no QG. Em tempo real. “Como assim ‘em tempo real’?”, perguntou Tonhão. “Em tempo real, ué. Olha só”, disse, enfatizando os dois-pontos, mas lendo no tom burocrático de um espião concursado: “Como, assim, em, tempo, real, perguntou, tonhão, em, tempo, real, ué, olha, só, disse”. A essa altura Tonhão não estava entendendo mais nada, e por isso fez o que sempre fazia quando se sentia emparedado pela própria ignorância. “Prendam-no!”, gritou. “Isso já é demais! Na minha democracia não tem lugar para metalinguagem!”.
Mas ninguém saiu do lugar. Todos, até os agentes da Polícia Federal, estavam vidrados nas telas, nas quais se lia o que o colunista ia escrevendo: “...Tonhão se diz um defensor da democracia, mas o que faz é destruir a democracia para fazer prevalecer a sua vontade. Isso é de uma obviedade tão escancarada que me dá até vergonha de dizer. Mas digo porque sei que vocês aí estão me lendo. Tonhão é um di——”. A palavra ficou assim, pendendo no ar, o cursor piscando um mistério eterno.
Enquanto o colunista tomava seu nescauzinho, o caos se instalava no QG do regime. Todos loucos para saber que palavra o colunista usaria para descrever o Tonhão. Seria diligente? Dinâmico? Diplomático? Digno? Divertido? Divino? Ou seria ditador? As apostas corriam solto. “Ditador” era a palavra mais provável e, por isso, pagava menos. Foi nela que o Tonhão apostou. “Digno” era o termo azarão e pagava mil para um. Foi nela que minha mulher apostou.
Até que os sensores detectaram o retorno da atividade cerebral do colunista. Atenção! Todos aos seus lugares. O elemento vai concluir a palavra - berrava alguém pelo sistema de som. O silêncio era tal que se ouvia até mesmo o farfalhar da penugem que recobria a calva suprema. Fazendo suspense, porque sabia que estava sendo observado, o colunista pousou demoradamente o copo de Nescau na mesa, estalou os dedos, inclinou-se sobre o teclado e, soltando o ar como quem triunfa sobre todo um exército de energúmenos, voltou a escrever: “Di——”.
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