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análise sintática escola barroso
Minha homenagem à saudosa professora Olinda com essa análise imperfeita da infame confissão do ministro Barroso.| Foto: Pixabay

Oh! que saudades que tenho
Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais!

- Casimiro de Abreu

Na verdade estou tão feliz com a possibilidade de me lembrar das aulas de análise sintática que nem me importo com o clichê da epígrafe. Eram mesmo bons aqueles anos. Ou pelo menos é assim que deles me lembro. Definitivamente a aurora da vida. A professora Olinda no quadro-negro, os colchetes sob as frases, os adjuntos, os complementos, as abreviaturas que davam um ar militaresco à coisa toda.

Ao final dos cinquenta minutos de aula, o caderno estava todo rabiscado. Talvez só eu visse arte naquilo, mas via. Ou seriam ciência aquelas equações esdrúxulas? Sei lá. Só sei que hoje, ao parar para analisar, nem que seja jocosamente, todos os elementos da infame confissão do ministro Luís Roberto Barroso sobre ter ajudado a derrotar o ex-presidente Jair Bolsonaro, descobri o que a sabedoria popular sabe há séculos: peixe morre pela boca.

[Nós]

* Pronome pessoal do caso reto, primeira pessoa do plural. Núcleo do sujeito simples.

* Curioso notar que a nota oficial do STF para o ato falho do ministro Luís Roberto Barroso, que confessou ter atuado para a derrota de Jair Bolsonaro nas eleições de 2022, se atém ao pronome e seus muitos sujeitos implícitos. Afinal, numa frase tão curta e sem grandes ambiguidades, só há mesmo espaço para especulação na indeterminação do “nós”.

* O que torna a nota do STF tão esfarrapada é justamente isso. Porque o “nós” necessariamente inclui um “eu”. E este “eu”, no caso, é o futuro presidente do STF que, até a metade de 2022, presidiu o TSE. Ou seja, na equação “eu” + x = “nós”, não importa se x é o PT, a militância de extrema esquerda, os colegas de Barroso no STF ou o tão falado Sistema. O que importa é que um ministro da Altíssima Corte, diretamente envolvido no processo eleitoral e em toda a celeuma em torno da urna eletrônica, está celebrando a derrota de um dos candidatos.

* Outro detalhe é que o “nós” geralmente funciona bem e elegantemente como sujeito oculto. Ao explicitar o pronome na frase, portanto, é como se Barroso, todo orgulhoso de sua militância eficiente, fizesse questão de estar incluindo nesse interminável desfile das tropas que marcham e fazem o “L” ao som da banda militar.

[derrotamos]

* Conjugação do verbo “derrotar” na primeira pessoa do plural.

* Vencer, infligir um revés, destruir, desbaratar, destroçar. Verbo transitivo direto.

* O uso do verbo “derrotar”, no lugar de “vencer”, é muito significativo. Primeiro porque pressupõe uma guerra. E a guerra é sempre o oposto da civilidade. Mesmo que se disfarce de juridiquês, a guerra é sempre violenta. A guerra também é marcada pela coragem e covardia, por uns poucos atos de heroísmo e muitos atos de vilania. Resta saber se nesta guerra Barroso e os seus respeitarão as regras básicas da Convenção de Genebra e tratarão os inimigos com um mínimo de respeito. Até aqui, tudo leva a crer que não.

* Em segundo lugar, é significativo o uso do verbo “derrotar” e não seu antônimo, “vencer”. Porque “derrotar” pressupõe um complemento. Um inimigo determinado – neste caso, o bolsonarismo. Enquanto “vencer” funciona bem como verbo intransitivo. Num sentido mais profundo, dá até para evocar C. S. Lewis aqui e dizer que o mal sempre pressupõe a existência do bem, enquanto o bem é o bem em si e dispensa o mal. Ou seja, se fosse mesmo virtuosa a guerra que Barroso e os seus travam, a ele teria bastado dizer “vencemos”.

[o]

* Décima quinta letra do alfabeto. Artigo definido masculino singular. Adjunto adnominal do objeto direto.

* No abecedário da juristocracia, até o “o” está boquiaberto com o ato falho de Barroso.

[bolsonarismo]

* Substantivo masculino. Núcleo do objeto direto.

* O que é o bolsonarismo? No momento, é um movimento estranho e bastante instável, atrelado à figura do político que lhe empresta o nome: Jair Bolsonaro. Mas a cada dia que passa tenho a impressão de que o bolsonarismo está assumindo a forma de um conjunto de valores dissociados dos valores pessoais do ex-presidente.

* Assim difuso e confuso e atualmente macambúzio, o bolsonarismo me soa mais como um grupo de reação à tecnocleptocracia (Tiburi, é você?) que governa o país do que com um movimento personalista com interesses exclusivamente eleitorais. Resta saber se o movimento sobreviverá ao ocaso do seu “padrinho”.

* Note que, enquanto a desculpa esfarrapada oficial do STF se atém ao “nós”, a nota oficial e também esfarrapada do ministro Luís Roberto Barroso se atém ao significado desse bolsonarismo aí. Que, para ele, é uma generalização aplicável somente à minoria de 58 milhões de “extremistas golpistas”.

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