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Nayib Bukele
O presidente de El Salvador, Nayib Bukele, ao lado da primeira-dama, Gabriela Rodríguez de Bukele.| Foto: EFE/ Bienvenido Velasco

Essa é uma das consequências das ações de Alexandre de Moraes & Cia.: a corrosão da cultura democrática. Me peguei pensando isso ao ler uma thread do colega Leonardo Coutinho no Twitter, na qual ele expõe o caráter antidemocrático do presidente reeleito de El Salvador, Nayib Bukele. Ao ressaltar o pouco apreço de Bukele pelas tais instituições democráticas, como se a revolução na segurança pública promovida pelo salvadorenho linha-dura fosse mero detalhe, Coutinho atraiu a ira daqueles que chamou de “bolsonaristas, MBListas e direitas” – e que estão cansados de tanto crime e tanta impunidade.

Ao ler tanto o argumento de Coutinho quanto os impropérios de que o jornalista foi alvo, minha primeira reação foi... defender a democracia. Mentira! Minha primeira reação foi me perguntar se eu trocaria a democracia, com sua promessa de liberdade e justiça, pela sensação de segurança. Será que sim? Será que não? A questão é mais difícil do que parece e, quando vi, estava andando de um lado para o outro, mais confuso que Dias Toffoli lendo um tratado de ética. Porque se por um lado garantir a segurança é garantir a vida, por outro uma vida sem liberdade não é uma vida digna de ser vivida. Ou é?

E é aqui que a porca proverbialmente torce o rabo. Porque a democracia de fato, próxima do ideal inatingível, serve para garantir o funcionamento azeitado das instituições, que por sua vez servem para, entre outras coisas, garantir a segurança da população. Portanto, em tese e em teoria uma sociedade segura seria consequência natural de uma democracia plena. Em tese. Em teoria. O problema é que, importando as circunstâncias salvadorenhas para o Brasil, o que temos é o pior dos cenários: uma falsa democracia onde predomina uma sensação de insegurança fomentada justamente por instituições que, corrompidas, de acordo com o presidente do Superior Tribunal Federal, of all people, funcionam na mais perfeita harmonia.

É nessa mentira que nos é contada todos os dias que você encontrará o motivo para a maioria das pessoas ter reagido ao argumento sensato de Leonardo Coutinho como se fosse um insulto à inteligência alheia. Claro que não é. Assim como as reações furiosas dos leitores/tuiteiros não são fruto de algum ímpeto tirânico perverso plantado no espírito cordial do brasileiro médio. Nada disso! O que houve foi uma discrepância na valoração da democracia e da segurança. Me parece que, em tempos de crise como o que vivemos, as pessoas tendem a privilegiar a segurança e a ordem – um anseio natural que Bukele sabe aproveitar; já em tempos de relativa paz e prosperidade, as mesmas pessoas que antes clamavam por segurança e ordem exigirão mais liberdade e democracia.

Em tempos de crise, as pessoas tendem a privilegiar a segurança e a ordem; já em tempos de relativa paz e prosperidade, as mesmas pessoas exigirão mais liberdade e democracia.

Trata-se de um equilíbrio tão delicado quanto fugaz. E, no caso brasileiro, há o complicador de vivermos uma crise de segurança pública em meio a uma democracia de mentira. Ou melhor, uma crise de segurança pública em meio a um regime autoritário e mergulhado na imoralidade explícita, que usa uma ideia imaculada de democracia como escudo e disfarce. Aí realmente fica difícil não preferir um déspota aparentemente limpinho a, por exemplo, o “direito” de votar em quem o TSE escolher. Aliás, eis a explicação para a popularidade de Bukele entre a direita brasileira. Inclusive entre os que nos identificamos como conservadores e, pasmem!, democratas.

É contraditório se dizer conservador e democrata e celebrar o êxito de Bukele? Provavelmente, mas não encontro saída. Porque tampouco nós, conservadores e democratas, estamos imunes à corrosão da cultura democrática que, aos trancos e barrancos, vingou no Brasil de 1985 até circa 2019, quando acelerou seu processo de perversão por meio da instauração do fatídico “inquérito do fim do mundo”. Uma cultura que só sobrevive residualmente, cada vez mais apegada à teoria e desconectada da vida cotidiana. Infelizmente.

No final das contas, chego à conclusão de que muita gente entendeu a provocação complexa de Coutinho como uma escolha bastante simples, talvez até simplista, e sobretudo perigosamente pragmática: você prefere ser governado por um déspota que prende criminosos ou por onze déspotas que soltam criminosos em nome da democracia? Com a palavra, o leitor. É, você mesmo!

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