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sede do STF
E eu lá sou louco de fazer uma legenda com a expressão “casa da mãe Joana”?| Foto: EFE/ Joédson Alves

A pedido do ministro Alexandre de Moraes (quem mais poderia ser?!), o Tribunal Regional Eleitoral mandou o ex-procurador e candidato a deputado federal Deltan Dallagnol tirar do ar um vídeo em que chama o Supremo Tribunal Federal de “casa da mãe Joana”. De acordo com a juíza que proferiu a sentença, a expressão é “claramente um ataque à instituição suprema do Poder Judiciário brasileiro”. Discordo. Se há alguém ofendido nessa história é a mãe Joana, coitada. Ninguém merece ter a casa comparada ao STF.

Não consta, porém, que nenhuma mãe chamada Joana tenha entrado com ação contra Dallagnol. Até porque a mãe Joana como eu a imagino deve ser uma mulher ocupada em trabalhar para sustentar e criar os filhos. Da casa essa minha Joana imaginária cuida com esmero. Vê lá se a mãe Joana vai ter tempo, dinheiro e disposição para se sentir ofendida com uma bobagem dessas! De qualquer modo, que fique registrado para a posteridade mais este dia de infâmia: o dia em que uma juíza proibiu um cidadão de comparar a casa da mãe Joana ao STF.

A Joana original da expressão que Deltan Dallagnol usa com precisão era a rainha de Nápoles e condessa de Provença Joana I. Ela viveu naquele período que seu professor de história chamava de Idade das Trevas: a Idade Média. De acordo com Câmara Cascudo, que aumentava, mas não inventava, Joana I foi a responsável por, em 1347, regulamentar os bordéis de Avignon, na França. Ah, essas feministas progressistas...!

A história correu e, com o costumeiro atraso de alguns séculos, chegou a Portugal como “paço da mãe Joana”. No Brasil, nossa malemolência linguística substituiu o pomposo “paço” pela simplória e eficaz “casa”. E a expressão deixou de ser usada apenas para se referir aos prostíbulos. Qualquer dicionário que preze reconhece hoje que a proverbial casa da mãe Joana é só um lugar onde impera a anarquia. Inclusive – por que não? - a anarquia jurídica.

Como se vê, expressões são incorporadas à língua por meios estranhos. A Joana original nem português falava e hoje está aqui, abrilhantando as páginas da Gazeta do Povo. Sendo usada não para o cronista falar de prostíbulos ou licenciosidades sexuais quaisquer, e sim para ele falar da liberdade de expressão em seu nível mais elementar. Isto é, o direito constitucionalmente garantido de se usar expressões populares para fazer uma crítica justa, muito justa, justíssima a uma instituição moralmente falida. E que está, sim, uma bagunça!

Talvez o erro de Dallagnol tenha sido não deixar claro em seu vídeo algumas importantes dessemelhanças entre a casa da mãe Joana e STF. A mãe Joana, por exemplo, não persegue empresários que reclamam da casa dela no grupo de WhatsApp da rua. A mãe Joana tampouco usa provas obtidas ilegalmente para anular a condenação de um ex-presidente, tornando-o elegível. E principalmente: a mãe Joana não fica posando de grande defensora da democracia enquanto, pouco a pouco e na cara dura, tira nossas liberdades individuais.

Dito isso, só me resta confiar nas idas e vindas do mundo e nos caminhos estranhos da linguagem. E imaginar, daqui a 700 anos, uma mãe Joana qualquer que abre a porta do quarto do filho adolescente. Ela vê meias espalhadas, a cama desfeita, pacotes de salgadinho pelo chão, tênis pendurado no ventilador de teto. Soltando fogo pelas ventas, como ainda se diz no século 28, ela esbraveja: “Arruma já isso, AdM [no futuro os jovens têm nomes estranhos]! Quero ver esse quarto tinindo, hein? Tá pensando o quê? Que isso aqui é o STF?!”.

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