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Alexandre de Moraes
Alexandre de Moraes: “Em breve vamos perceber que talvez [a desinformação] seja uma das mais perigosas drogas”.| Foto: Pedro França/Agência Senado

Cidadão está na fissura. Ele não aguenta mais ouvir só as notícias permitidas que lhe são repassadas pela imprensa amiga do Partido. Ele quer sentir algo mais forte. Mais real. Ele precisa saber a verdade. Ao seu redor, Cidadão vê sua família e seus amigos todos se alienando com notícias como “Governo aumenta impostos sobre combustíveis para salvar meio ambiente”, “Presos nos atos do dia 8 de janeiro são perigosos terroristas” e “Lula é o melhor presidente da história do universo”.

Não dá mais. Cidadão decide, então, recorrer à clandestinidade. Ao submundo. “Vou ali na esquina e já volto”, diz ele, que ainda mora com o pai sindicalista e a mãe socióloga. Os pais acham que o filho vai usar crack – e por isso dão de ombros. Eles confiam nas políticas de redução de danos das ONGs financiadas por George Soros. Mal sabem eles, porém, que Cidadão está atrás de algo muito mais nocivo: opiniões proibidas, conhecidas no subterrâneo do debate público pelo apelido jocoso de “desinformação”. Ou “desinfa”, como preferem os junkies.

Para a sorte de Cidadão, ele não precisa se afastar muito de casa para conseguir o que procura. Ali bem pertinho, num beco escuro, fedendo a uísque single malt e gravata borboleta, e com as paredes todas pichadas com a marca da facção CV (Comando da Verdade), um grupo de perigosos traficantes está reunido. Uma gente com fama de violenta e leitora de clássicos. No bairro, corre o boato de que eles fizeram um acordo com a Polícia do Pensamento para poderem traficar opiniões proibidas em paz. Isto é, desde que eles não fomentem nenhuma revolução.

A Delegacia de Repressão ao Pensamento Livre, aliás, fica ali pertinho, num edifício em estilo brutalista de onde, vez ou outra, se ouvem gritos. Os traficantes e os viciados em opiniões proibidas dizem que são gritos de tortura. Mas os que ainda não tiveram suas mentes alteradas pelo efeito inebriante da desinfa explicam que são gritos de alegria diante de mais uma realização do presidente Lula. Ou mais uma decisão sensata do ministro Alexandre de Moraes.

Enquanto eu me distraía aqui falando da Delegacia de Repressão ao Pensamento Livre, Cidadão entra no beco escuro. Ele não sabe direito como agir. Está com medo. Juntando coragem, Cidadão aborda um traficante de aparência peculiar: rosto sem tatuagens, crucifixo no peito, um conservadoríssimo terno e gravata. E diz que está precisando. “Precisando do quê, moleque? Aqui não tem”. Cidadão não se deixa intimidar. “Tô precisando de verdade. E da boa”, diz. O traficante, percebendo que Cidadão não é um agente infiltrado da Polícia do Pensamento, abre um sorrisão de ouro. E pergunta: “Política, economia ou comportamento? Verdade, verdade-verdadeira ou verdade nua e crua, doa a quem doer?”.

Cidadão não sabe. Cidadão está perdido. Cidadão passou a vida toda sob o efeito lobotômico das opiniões oficiais. Ele olha para o lado e vê na sarjeta um jovem que aparentemente está sob efeito da verdade nua e crua, doa a quem doer. “Lula foi preso por corrupção e lavagem de dinheiro. E foi solto por vontade política do STF”, balbucia o moço. Cidadão se assusta, mas logo depois se anima. “Quero o que esse cara tá tomando”, diz. Mas o traficante nega. “Olha, você é inexperiente e a verdade nua e crua, doa a quem doer, às vezes dá uma bad trip danada. Que tal uma verdadezinha para começar? Algo mais fraco, suave”.

Cidadão acata o conselho do traficante e ali mesmo no beco toma uma dose de “O STF é o maior responsável pela desmoralização da Justiça no Brasil”. O efeito é imediato. De uma hora para outra, Cidadão começa a enxergar a realidade em meio à alucinação coletiva. Alexandre de Moraes, que antes Cidadão via como defensor da democracia, aparece diante dele como de fato é. Barroso idem, Gilmar Mendes ibidem. A turma toda. “Uau”, diz Cidadão depois de sair do primeiro transe da verdade. “Então quer dizer que os caras não respeitam mesmo a Constituição?”, pergunta ele para o traficante de desinfa. Que ri.

A partir de então Cidadão passa, primeiro, a ir ao beco todos os dias. O consumo de verdades e verdades-verdadeiras se torna rotineiro. Até que Cidadão não aguenta mais a hipocrisia que o cerca, sai da casa dos pais esquerdistas e começar a frequentar a Verdadolândia, um lugar assustador, onde verdades nuas e cruas, doa a quem doer, são consumidas à luz do dia. Até a Polícia do Pensamento tem medo de entrar naquele lugar onde, dizem, todos são perigosos reacionários de extrema-direita (tem até terraplanista incel!) que querem formar família e, absurdo dos absurdos, ser livres.

Aliás, folgo em contar neste parágrafo final que, pouco tempo depois de se expor às primeiras doses de verdade nua e crua, doa a quem doer, Cidadão tomou banho, arranjou emprego, começou a ler Gustavo Corção (edição ilegal, claro) e conheceu Cidadã, que também vagava pelas ruelas da Verdedolância com os olhos cintilando de alegria – um dos efeitos colaterais mais prejudiciais do consumo excessivo de desinfa. Os dois pretendem se casar em breve, numa igrejinha clandestina que funciona na Verdadolândia desde que o STF proibiu as Missas, por considerá-las celebrações da intolerância religiosa.

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