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Jair Bolsonaro
Bolsonaro: confuso, ambíguo, contraditório e instável. Numa palavra: complexo.| Foto: EFE/ Isaac Fontana

escrevi por aqui que Jair Bolsonaro, ou melhor, só Bolsonaro é um personagem mais interessante do que Lula – e não o Luiz Inácio. Mais confuso, mais ambíguo, mais incoerente, mais instável. Mais complexo. Nos últimos meses, porém, essa complexidade que antes fascinava e divertia se tornou um transtorno. Uma angústia. Uma dúvida incômoda.

Passando em revista os últimos quatro anos, me dou conta do tempo que gastei, mas não desperdicei, tentando entender que Bolsonaro era esse que os apoiadores tanto defendiam. Não só. Passei esse tempo todo tentando entender também quem era esse Bolsonaro que os detratores tanto atacavam. E não foram poucas as ocasiões em que tentei entender como meus valores se relacionavam com um presidente que me agradava num dia e me irritava noutro.

Mas foi meio de um curso ministrado por meu amigo Francisco Escorsim que me vi pensando: “O que resta do Jair no Bolsonaro? Onde termina o homem e começa o personagem? Quem Bolsonaro pensa que é e quem ele é quando ninguém está olhando? Tomo café ou pego um copo d´água? O que será que vamos jantar? Como o Chico pode gostar de Coldplay? Qual a previsão do tempo para amanhã?”. Etc.

E você talvez esteja aí franzindo a testa, me xingando silenciosamente e esbravejando de si para si que esta é uma questão tardia. Afinal, Bolsonaro is no more. Quanto a isso, só posso dizer que você tem toda razão. É mesmo uma questão tardia. E talvez seja até inoportuna, levando em conta que hoje é sexta-feira. Chega de canseira. Nada de tristeza. Pega uma cerveja. Põe na minha mesa.

Uma espécie de espelho

Em minha defesa, porém, digo que é justamente agora a melhor hora para saber quem foi esse tal de Jair Messias Bolsonaro que ocupou a Presidência por quatro anos. Agora que a conclusão a que chegarmos não fará mais nenhuma diferença. Agora que as contradições e ambiguidades de Bolsonaro estão mais exaltadas do que nunca. Afinal, ele é o homem que agora fala em paz ou é o líder que, do alto de um carro de som e para uma Avenida Paulista lotada, lavou a alma dos brasileiros chamando Alexandre de Moraes de canalha?

Bolsonaro é o genocida negacionista de que tanto falam ou é o defensor da liberdade e da ciência? Ele é um covarde que optou pelo silêncio democrático ou é um golpista? Ele é honesto ou é tão corrupto quanto os outros? Ele é uma vítima do Sistema ou um simplório atrapalhado que perdeu as eleições para si mesmo? Ele é um falastrão ou um mestre na arte do xadrez 4D? Ele é o destemido capitão imbroxável ou um mito encolhido num cantinho, torcendo para que ninguém o descubra ali se fartando de pão com leite condensado?

Eu poderia ficar aqui por parágrafos e mais parágrafos opondo características de Bolsonaro, sem jamais chegar a uma imagem fácil. Unidimensional, como diria alguém mais pretensioso. E o mais interessante: sem jamais alcançar o Jair que se esconde por trás do Bolsonaro. Ou será que nessa troca ancestral da alma pelo sucesso mundano é imprescindível que o personagem anule por completo o homem?

Agora chamo o Francisco Escorsim de volta à crônica (fica aqui ao meu lado, Chico, dá um oizinho pros leitores) para dizer que, nessa busca pelo que resta de essencial e verdadeiro nos personagens, acabamos por buscar a nós mesmos. E, com alguma sorte, acabamos por entender melhor o que nos fez (faz?) defender ou atacar, apoiar ou detratar, seguir ou desprezar e acreditar ou desconfiar deste ou daquele nome. Aliás, foi só por isso que escrevi esta crônica.

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