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Não olhe para baixo, Joe Frazier
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AFP
Joe Frazier treinando para enfrentar George Foreman na decisão dos pesos pesados de 1973

Para o esportista chegar ao status de mito não basta seguir vivo na memória coletiva após a aposentadoria. Tem de continuar vivo também na memória daqueles que enfrentou ao longo da carreira.

E quanto mais vívido nas lembranças dos antigos oponentes, quanto mais se refletir na retina daqueles com quem se opôs, mais reconhecida é sua qualidade técnica. Melhor ainda quando o reconhecimento vem na forma de admiração.

Por anos, os jogadores de Brasil e Uruguai da Copa de 50 se encontraram em animados encontros algumas décadas após a final da disputa. Todos os anos, os velhinhos do Maracanazo tinham agendada a confraternização. Um ano no Rio de Janeiro, outro em Montevidéu. Tudo sob uma condição: de que ninguém falasse daquele 16 de julho festivo para os uruguaios, fatídico para nós.

Eram amigos, não mais adversários. Estavam ligados por aquela partida. Mas não precisavam mais dela para continuar a amizade, o companheirismo.

Ano passado, no aniversário de 70 anos de Pelé, escrevi uma reportagem sobre as passagens do Rei pelos gramados paranaenses. Um dos entrevistados era o ídolo coxa-branca Krüger, com quem um simples bate-papo é sempre uma aula recheada de boas histórias.

O Flecha Loira enfrentou o Homem duas vezes. Quando liguei para marcar a entrevista, Krüger aceitou na hora, mas impôs uma condição. “Falo sem problemas. Só que você vai ter de vir aqui, porque não consigo explicar por telefone, só com palavras, as coisas que aquele homem fazia em campo”.

Lá fui eu ao Couto Pereira ouvir e ver a sequência de movimentos com os quais o Flecha Loira tentava me explicar o que Pelé fez diante de seus olhos incrédulos nos anos 60 e 70. “Eu via ele fazer aquelas coisas e ficava completamente abismado, porque o normal era fazer tudo exatamente ao contrário. Mas com Pelé nada era normal”, me disse o ídolo coxa.

Muito bem. Chego até aqui só para dizer que na última terça-feira conheci duas das mais comoventes declarações de esportistas sobre um adversário. No caso, a respeito do pugilista Joe Frazier, morto nesta terça-feira, aos 67 anos.

A primeira é de Muhammad Ali, com quem Frazier trocou socos e farpas em boa parte de sua carreira. As três lutas entre ambos – incluindo a Luta do Século, em 1971, a primeira derrota no score de Ali – não eram apenas um espetáculo entre dois atletas fora de série. Era também um embate de provocações, em um tempo estranho em que esportistas tinham opiniões próprias e não eram teleguiados por assessores de imprensa.

Mesmo com tantas provocações mútuas que marcaram a carreira de ambos, Ali, que muitas vezes pegava pesado com Frazier, afirmando que ele representava a subserviência do povo negro ao stablishment branco na América, reconheceu que as lutas com seu principal adversário só valorizaram sua carreira.

“O bom [de se aposentar] é que não haverá mais Joes Fraziers no meu caminho”, disse Ali quando deixou de lutar.

Mas a declaração mais bacana é de George Foreman, que tirou de Frazier o título de campeão mundial dos pesos pesados em confronto de 1973. Ao programa Bola da Vez, da ESPN Brasil, alguns anos atrás, Foreman disse que a arma secreta dos grandes pugilistas não está nos punhos, e sim no olhar. Se o boxeador olhar nos olhos do oponente e ele baixar a vista, a luta está praticamente ganha, porque o rival está dominado psicologicamente.

Menos no caso de Joe Frazier. “Com ele era o contrário. Eu torcia para ele não olhar nunca para baixo. Porque se abaixasse os olhos, veria minhas pernas tremendo”, sintetizou Foreman.

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Uma curiosidade curiosa, como diria o pleonástico: as famosas cenas da corrida na escadaria do museu e do treino com socos em carne congelada do filme Rocky não surgiram do nada. Eram baseadas no método peculiar de treinamento de Frazier no início da carreira. Frazier que, aliás, era da Filadélfia. Assim como o Garanhão Italiano.

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