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O gordinho do skate
| Foto:
Hedeson Alves / Gazeta do Povo
A rapaziada da Praça do Gaúcho não esperou pela burocracia e já está mandando ver novamente.

Hoje de manhã fui resolver umas coisas ali pelas bandas do São Francisco e aproveitei pra dar uma passada na Praça do Gaúcho. Antes, li a matéria aqui no jornal, do Vinicius Boreki, mostrando que a rapaziada do skate não aguentou esperar. Decidiu por conta própria botar as rodinhas pra deslizar antes da inauguração oficial da pista recém-reformada. Gostei da atitude. Por que esperar a burocracia? Se está pronta, libera logo a pista pra moçada, oras.

Enquanto eu estava ali chegou um grupo de quatro adolescentes que, pelo tipo de cada um, ninguém imaginaria que fossem amigos. Tinha um ruivo alto, quietão, de bermuda e camiseta e cara de mau. Um gordinho de óculos, meio desajeitado, cabelo curto com gel e cara de CDF. E duas meninas baixinhas, com mochilas enormes, cabelos desgrenhados e de mãos dadas – depois confirmei minhas suspeitas referentes a elas. Tinham 13, 14 anos no máximo. Todos com um skate.

Sentaram-se os quatros na frente da pista e ficaram olhando outros caras nas suas manobras. Ninguém ali tinha a idade deles, eram todos mais velhos. Eu não entendo muito de skate, mas aqueles caras me pareciam bons naquilo, realmente ousados nas manobras. O que levou os quatro meninos a ficarem um pouco intimidados. Como se caso eles entrassem na pista estivessem invadindo o espaço daquelas feras.

Decidi ficar ali para ver qual deles seria o primeiro a pegar o skate e mandar ver. Dos quatro, apostaria no ruivo ou em uma das meninas. Não no gordinho.

No ruivo porque, como já disse, ele tinha cara de mau. Era o mais alto do grupo e chegou na praça à frente dos outros três, como que se abrisse caminho, como se estivesse defendendo os amigos. Parecia ser o líder da turma. Já nas meninas eu apostaria porque pra quem tem coragem de assumir sua opção sexual tão cedo, correr o risco de cair numa pista de concreto seria fichinha. No gordinho eu não apostaria porque ele era exatamente a antítese daquele clima de esporte radical – tanto que era o único que estava de calça e com a camiseta do colégio. Parecia ter sido vestido pela própria mãe.

Pois pra minha surpresa a iniciativa partiu do gordinho. O guri deu um toque com o pé na ponta do skate, pegou a prancheta na mão e foi decidido pra pista. Antes, olhou pros colegas sentados na calçada na esperança de que eles o acompanhassem. Como não viu nenhuma reação no semblante deles, partiu sozinho.

Quando entrou na pista, os caras mais velhos pareciam não ter curtido muito o fato de ele estar ali. Olharam com um pouco de desdém o gordinho desajeitado. O guri sentiu que não era bem-vindo. Mesmo assim não desistiu e começou a fazer suas manobras. Eram manobras limitadas, é bem verdade. Mas e daí? O importante é que ele estava lá.

Como não queria atrapalhar ninguém, humilde, ficou nos fundos da pista. Em nenhum momento ousou ir para o outro lado, onde o espaço era mais concorrido.

Fiquei com a sensação de que a qualquer momento os caras mais velhos tocariam o gordinho dali. Mas ele insistiu. Deu mais umas voltas e até trocou uma ideia com um loiro cabeludo, que parecia estar dando umas dicas pra ele.

Quando saiu da pista, o gordinho passou por mim e me olhou como se dissesse “eu tentei”. A sensação que tive é de que ele sabia que eu também fui gordinho na adolescência e que nunca aprendi a andar de skate. Se tivesse tentando, talvez hoje eu teria uma cicatriz no joelho pra contar história.

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