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A empregada é você
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Ai Gazeta, cancela esse cara!” . Esta será a grita nos comentários após me meter nesta que é a mais tempestuosa das searas: a crítica a Paulo Guedes. Digo isso pois questionar uma fala do ministro é como tacar pedra na cruz pra muita gente; você se torna um sabotador, um inimigo da pátria, um “pessimildo”. Ainda  assim -- ossos do ofício -- levarei a cabo este artigo, sabedor desde já das porradas que me aguardam

A fala de Guedes na última semana é sintomática. O ministro, defendendo-se de críticas sobre o câmbio desvalorizado, tirou do baú uma péssima analogia envolvendo empregadas domésticas. Afirmou, em bom português, que nossas diaristas estariam "indo muito para a Disney". Sugeriu roteiros alternativos (parecia animado com Cachoeiro do Itapemirim) e terminou combatendo a “desindustrialização” para uma platéia absolutamente inebriada. Um sucesso.

O ministro parece absorto na luta política contra o PT de tal maneira que, instintivamente, passou a viver no mundo fantasioso de Lula. O ex-presidente era pródigo em dizer que sob seu governo, o pobre passou a andar de avião. Para Guedes, esse pobre imaginário até pode andar de avião — desde que dentro do Brasil.

Enquanto ambos fantasiam as férias da empregada, a classe média faz viagem de Uber. Como motorista. Era ela quem frequentava a Disney nos áureos tempos de Luiz Inácio; é ela quem deve até a tampa no discurso de Ciro Gomes. A classe média, Geni de Pindorama, paga o pato e dá risada. Não pode ir pra Disney mas faz papel de Pateta.

O Congresso discute hoje uma reforma tributária. Fala-se em aumentar em mais de 200 e 300% a carga destinada aos serviços — coisas como escola, restaurante, hospital, cabeleireiro, curso de inglês, dentista, manicure etc. É mais carga no lombo da classe média, tanto na hora de pagar imposto quanto na administração de seus pequenos negócios. Bernard Appy, pai do projeto, quando questionado sobre estes detalhes, dá de ombros: "quem não se adaptar, que feche!". Fica difícil ir pra Disney desse jeito.

A classe média politizou-se como nunca nos últimos anos, e liderou um processo transformador com profundos reflexos em nossa República. Das jornadas de 2013 à eleição de Bolsonaro, foi ela a bater o bumbo da insatisfação com o estado das coisas. Mas mesmo o agente também se torna vítima: ao final do dia, espertalhões aprenderam como manipular sua indignação, entregando migalhas de polêmica que absorvem seu voluntarismo.

Que ninguém se iluda por aqui: foi criado um discurso para te adestrar. Um discurso que te inclui no "polo ativo” da revolução, administrando seus valores enquanto sua vida não melhora. O que vale, hoje, são as "narrativas", que permitem a classe média ser alvitada — perdendo qualidade de vida —, enquanto debate a “doutrinação nas universidades” ou a “prostituição de uma jornalista”. Está perdida na polêmica da semana, sem perceber que virou a commodity da nova era.

Nunca foi novidade o ódio sistêmico do PT aos setores médios da nossa sociedade. Marilena Chauí, sob olhar terno de Lula, já bradava seu "eu odeio a classe média!” na década passada. Nada de novo por aqui. Mas o desconhecimento, o desleixo com que atores políticos do “centro" ou da “direita" reservam para a classe média — que os colocou em suas posições — é preocupante, e extrapolam a fala infeliz de Paulo Guedes. Estão presentes em todo o debate político brasileiro.

Veremos nos próximos meses o surgimento de um novo “centro" para conquistar esse setor. Será propaganda colorida e pesquisa de mercado, além de grana do fundo partidário. Teremos também mais Bolsonaro em shows evangélicos e seus filhos polemizando ninharias . Pouco ou nada sobre a reforma tributária, sobre melhorias profundas em nosso sistema educacional ou sobre a chegada — cada vez mais postergada — do tão aguardado crescimento econômico.

As migalhas estão a postos para o grande público. Todos prontos pra tratar a classe média como povo no discurso e elite na cobrança de impostos. Soa promissor. Ao menos, que a tão aguardada viagem para Cachoeiro de Itapemirim faça tudo valer a pena. Tem Roberto Carlos, eles disseram...

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