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O crepúsculo da Tia do Zap
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São tempos complicados para os guerreiros e guerreiras dos aplicativos de mensagens. O pouso forçado das narrativas governistas — das compras de vacina ao discurso insosso na Conferência do Clima — mostra que a fase das ilusões rebeldes e coloridas já passou. Restaram as convocações bufas de golpe militar, chamadas de “autorização” ao presidente e impeachments impossíveis de ministros do Supremo. Em suma: espetáculo barato para distrair militância.

A cada vez menos influente esfera bolsonarista vive as consequências do novo pacto firmado ao fim do ano passado, quando Bolsonaro entregou as chaves do cofre ao Centrão temendo um impeachment que se avizinhava. Nesse novo jogo, a ordem do dia é se adequar: Guedes fura o teto, Salles defende o meio-ambiente e o quinquagésimo novo ministro da Saúde compra vacina.

Não me interessa aqui atestar o óbvio. O governo vive de trair até suas ideias ruins. Não há compromisso com o erro ou com o acerto. Compromisso, apenas, com a família — e só. A militância, atônita, encontra em seu WhatsApp o oratório virtual onde cultua o presidente, um refúgio cada vez menos seguro para professar sua fé política. Os desencontros viraram regra. 

O que dizer da capitulação vergonhosa de sua brabeza internacional na Conferência do Clima, na manhã desta quinta-feira (22)? Anos de polarização com “globalistas”, “Gretas”, “Macrons” e “Bidens” pra isso? A sequência de promessas irrealizáveis, de compromissos insinceros, torna-se capítulo à parte na epopéia de arregadas que diluem o espírito de luta de seus seguidores. O presidente que a todos enfrenta, na prática, pra todos arrega. É cão que ladra, bom de rede mas ruim de briga.

O militante se cala diante do problema. O dilema que se apresenta com o líder que foge da raia diante do soco inevitável lhe obriga a decidir: ou desiste do farsante que o iludiu ou dobra aposta com a velha justificativa das forças subterrâneas. “Há um complô contra o presidente”, dirão. “Não deixam o mito governar” é a cantilena.

O problema desta prática é que funciona como seleção natural dos menos aptos. Apenas os fiéis mais imbecilizados continuarão a dura empreitada de promover sua presidência, comprando hipóteses cada vez mais absurdas em encruzilhadas narrativas quase sempre desfavoráveis a Bolsonaro. Conforme as capitulações se avolumam, mais o processo se agrava. Ficam para trás, episódio após episódio, o cidadão comum que o elegeu em 2018 e os radicais de convicção, que de fato acreditavam no besteirol ideológico do presidente. 

É por isso que o abandono gradativo do governo acontece entre empresários, eleitores de opinião (especialmente na região Sudeste) e militantes exasperados, lunáticos da causa perdida. Entre absurdos e capitulações, resta menos a tese — não importa se boa ou ruim — e mais o culto, personalíssimo e despido de propósito. É um Bolsonaro que se afasta do movimento ideológico que o elegeu, caminhando firmemente para consolidar um eleitorado menos influente, mas profundamente leal. 

O desconforto se reflete entre os microfones de aluguel e jornalistas sob demanda que organizam sua defesa nas rádios e jornais ligados ao governo. Outrora profissionais douradores de pílula, passaram a simplesmente achincalhar seus adversários, praticando diversionismo descarado como caminho único no atual momento. 

É o caso, por exemplo, de Caio Coppolla e seu impeachment ilusório de Alexandre de Moraes. De Augusto Nunes, falando sem parar em Lula e no PT. Dos youtubers governistas e suas manifestações de 10 pessoas contra Dória e sua vacina chinesa (que agora é patriótica). Sem argumentos para se defender, resta apenas o ataque — e o culto. Aumenta-se a “qualidade”( leia obediência cega), diminui-se a quantidade. O discurso de adesão precisa se adequar aos novos tempos.

Percebe-se tal guinada quando analisamos a última grande “campanha” da militância residual, a risível chamada de “autorização” ao presidente. Convocada de forma sinuosa por Bolsonaro — dando a entender que irá “interferir” (golpe?) nos estados e municípios se “povo assim quiser” — a trupe governista tomou o zap de assalto para organizar abaixo-assinado “outorgando” ao presidente plenos poderes para “agir”. Agir no que, não se sabe. Apenas concordam que ele merece mais poder.

A lógica da ação vai na linha da gíria popular “confia no pai”, utilizada por jogadores de futebol simulando confiança e jovens bêbados antes de fazer alguma besteira. É a redução da militância orgânica ao culto, e a transformação da figura adorada em demiurgo inspirado, capaz de mudar o mundo apenas com sua vontade. Bolsonaro é Bolsonaro isso se faz bastante. Mais latino-americano, impossível.

É importante relembrar que líderes populistas em nosso continente ascenderam ao poder através de movimentos políticos de massa mais ou menos coerentes, como porta-vozes de causas que surgiram no seio de suas sociedades. O fenômeno quase sempre redundou em abandono (e sufocamento) dos processos históricos (não julgo aqui a qualidade de tais processos) que os precederam, para firmar, logo depois, um culto personalíssimo eleitoralmente favorável — quando não em mera ditadura. 

Peronismo, Varguismo, Chavismo, Lulismo, Kirchnerismo e tantos outros ismos são prova infelizmente viva da funcionalidade da estratégia — mas há um porém em sua aplicação bolsonarista. O presidente, ao contrário dos demais, não entregou melhorias perceptíveis — nem ao menos ilusórias — que deem lastro de realidade ao culto construído. Bolsonaro é santo que não entrega, é reza brava que não vira cura ou redenção. Seu culto histérico tem prazo de validade. O presidente é incompetente até pra ser vilão.

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