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Você vai aceitar Ciro Nogueira?
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Percebam, amigos leitores, eu não sou exatamente alguém muito bem quisto por vocês. Como sempre lembro, minhas colunas são cravejadas de comentários negativos, posto que atento, pelo visto, contra o ato maior de patriotismo em terras brasileiras: amar incondicionalmente o presidente Bolsonaro.

Não o amo, o acho péssimo. Minha trajetória de colunas na Gazeta do Povo costuma dissecar o fiasco que vem sendo seu governo. E serve para alertar, também, para suas traições. Foram muitas as vezes em que atentei para o completo aparelhamento do centrão, o desrespeito às pautas importantes da direita, o abandono do ideário que elegeu o presidente. Por conta disso fui enxovalhado, tratado como “traidor” e coisas piores. Faz parte.

O que não deveria fazer parte, porém, é a idolatria sem limites, mesmo diante de fatos que não merecem perdão. A recente entrega da jóia da coroa, o ministério da Casa Civil — responsável pelas negociações e a organização política do governo — para o indefensável Ciro Nogueira, deveria servir de “basta” para toda aquela gente que renegava a prática do toma-lá-dá-cá nos últimos anos.

Percebam: boa parte da construção política do discurso bolsonarista pós-eleição foi o do “combate” às “raposas do Centrão” e sua suposta “sabotagem” ao projeto do presidente. Seus prosélitos alegavam que o Centrão era composto por Maia, PSDB e demais agentes vistos como adversários, e que a derrota dos mesmos significaria o sucesso do governo Bolsonaro.

Constatamos, porém, outra coisa. Maia foi derrotado, Alcolumbre foi absorvido e os problemas com o famigerado Centrão só aumentaram. Para derrotar o deputado carioca, elegeu-se Lira. Ora, mas se Maia é Centrão, o que seria Arthur Lira? Eis aí o problema no discurso do gado. Maia nunca foi Centrão, mas centro. Venderam-se categorias políticas mentirosas por aí, coisa de gente que não conhece Brasília, que não sabe separar um Aécio (hoje governista) de um Ciro Nogueira, um Perondi de um Valdemar da Costa Neto. E ao enganar o militante, chamando a tudo de Centrão, construíram uma massa de pessoas que não sabem definir políticos. Montaram gado.

O gado não entende nuances, não se atém a detalhes. Vive às força dos sentimentos, dos desesperos oferecidos por seu dono. “Ah, as vacinas”, “ah o voto impresso”, “ah os chineses!”. A cada novo surto de pânico, exercido no campo ilusório dos debates e narrativas, o mundo real é preenchido pelo centrão. Entregam-se cargos, discursos capitulam, escândalos são fomentados. São bilhões no orçamento paralelo de Lira, são milhões nos superfaturamentos das vacinas. No governo tocado por Lira e Ricardo Barros, só a ilusão salva. Deixa que o povo fale de voto impresso. O importante é imprimir o invoice. A emenda não espera.

O Ciro Nogueira que assume a casa civil é abutre recheado de escândalos. Sua conduta política é indefensável, seu histórico é de corrupção, clientelismo e defesa de privilégios. É malandro da pior estirpe, gente que vive de rapinar não importa o governo. Entretanto, não foi em Lula nem Temer que o senador piauiense encontrou seu auge; foi em Bolsonaro, o suposto patriota inimigo da corrupção. Soa estranho para o leitor desavisado. Mas natural para quem conhece Brasília.

Nogueira acumula a Casa Civil pois o atual presidente é fraco. Mais que fraco, é desonesto, baixo e pequeno. Bolsonaro cede a articulação do governo para o que há de pior na política pois imagina que se blinda e ganha tempo, enquanto espera um crescimento que não virá e os efeitos de sua tese fantasiosa do voto impresso. Não há projeto de governo, país ou “legado histórico” a se entregar. Sem propósito, resta ao governo apenas existir, subsistir em meio ao caos. Entregar-se ao centrão significa isso — sobrevida. É pouca para as expectativas depositadas por seu eleitor.

Estrategistas do planalto, nos últimos dias, dão como perdidas as classes médias país afora. Bolsonaro já perde para Lula em estados como São Paulo e Rio Grande do Sul, outrora colunas de sustentação contra o petismo. É não apenas prenúncio de derrota humilhante, mas também de destruição completa do campo da direita. Como alertei, amigos, Bolsonaro é o cavalo de Tróia involuntário que permite o retorno do PT. Até por isso, Lula cresce nas pesquisas sem fazer nada e seu partido, serelepe, não apoia de verdade a queda do atual presidente.

A decepção das classes médias que ainda apoiavam Bolsonaro não promete ser silenciosa. Influenciadores do Bolsonarismo de luxo já percebem o fluxo dos novos tempos, alterando sua comunicação para uma postura mais, digamos, “crítica”. É gente que até releva as 500 mil mortes na pandemia, mas que não aceita, jamais!, a pecha de “defensor de fundo partidário”. Natural. Cada um com suas prioridades, eu diria. Há exemplo maior da postura que o abandono parcial da bancada federal do NOVO, que endossa de forma tímida o impedimento do presidente? É sinal dos tempos.

Para os que me leem e mantém a fé no capitão de artilharia, meus prenúncios são ainda mais negros. A desculpa de que Ciro Nogueira entrou na Casa Civil para “viabilizar o voto impresso” não engana nem criança. Nogueira está lá para liberar emendas, cargos e contratos para seus aliados. Vai aprofundar o universo de negociatas e a parceria sórdida via orçamento paralelo com Arthur Lira. Está lá, apenas, pois Bolsonaro teme a debandada até do PP — partido que tem o presidente em suas mãos.

A desmoralização é tão grande que até o MDB soltou nota proibindo seus filiados de participarem do governo. No Congresso nacional, o clima é de várzea, de “quem chegar primeiro leva os melhores espaços”, de rapinagem de final de festa. É a invasão bárbara de um país destruído.

Você pode anotar meu recado: tão logo o saque termine, Ciro, Lira e os seus irão abandonar Bolsonaro com um belo chute nos fundilhos. Lula lidera com folga em seus estados. É com ele que partirão para as eleições. Restará a você decidir se afunda com o presidente após o vexatório papel prestado pelo “me chama de corrupto" que habita o planalto. Ou se terá dignidade, neste fim de festa, de dar o grito de independência, 200 anos após Dom Pedro I. Garanto que não haverá ato maior de patriotismo nesta altura do campeonato…

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