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Roberto Motta

Roberto Motta

Estado democrático de Direito

Juristocracia: tudo errado desde o início

Fachada do Supremo Tribunal Federal, em Brasília. (Foto: Gustavo Moreno/SCO/STF)

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Se você viveu os últimos anos em uma caverna, sem acompanhar as notícias políticas, este é o resumo: a partir de 2019, o ativismo judicial saiu de controle no Brasil, assumiu o comando do Estado e passou a editar o país. É um projeto de poder que mistura política, patrimonialismo, ideologia e desprezo pelo Estado de direito e pelos direitos fundamentais. Ironicamente, a justificativa para esse projeto é justamente a defesa do “Estado democrático de direito”, um termo que teria sido usado primeiro na Alemanha e depois em Portugal e na Espanha, antes de entrar na Constituição brasileira de 1988.

Essa expressão mistura o conceito de Estado de direito — em inglês se diz rule of law, a ideia de que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer nada senão em virtude de lei — com democracia, um sistema político em que o poder é exercido pelo povo diretamente ou por meio de seus representantes. A escolha da expressão “Estado democrático de direito” como justificativa para a juristocracia é inusitada, porque Estado de direito e democracia são justamente duas das principais vítimas do ativismo judicial.

Historiadores do futuro terão dificuldade para explicar um tempo em que o Direito foi destruído de cima para baixo, com apoio ou complacência de entidades jurídicas e universidades; um tempo em que o país prendia a respiração cada vez que se ouvia a expressão formou maioria; um tempo em que senhoras de idade eram presas por participar de manifestações, acusadas de tentativa de golpe de Estado, enquanto as facções do narcotráfico prosperavam.

Um dos fundamentos do Direito diz que provas obtidas de forma errada produzem consequências juridicamente inválidas. É a teoria dos frutos da árvore envenenada. Desde a ascensão da juristocracia brasileira, grandes juristas alertam que muitos dos principais inquéritos e decisões violam princípios legais e constitucionais básicos — como aquele que diz que um juiz não julga causas nas quais ele é parte, ou o que determina que apenas indivíduos com foro privilegiado são julgados pela Corte Suprema. Está tudo errado desde o início.

Estamos em uma era de destruição: destruição do Direito, destruição da liberdade, destruição da verdade, destruição de esperança, de riqueza e de vidas. O Brasil de 2025 é — mais uma vez, inacreditavelmente — uma terra de presos políticos, de inquéritos sigilosos, de mandatos cassados, de perseguição ideológica e de servidores públicos que servem de instrumento para atos arbitrários.

É curioso observar que juristocratas e seus aliados estão sendo agora acusados de fazer exatamente aquilo que acusaram inúmeras pessoas de fazer: atentar contra o Estado de direito e a democracia. Com um detalhe adicional: a acusação vem do governo dos Estados Unidos da América. Algumas autoridades e políticos já estão sofrendo sanções previstas na Lei Magnitsky, uma legislação criada pelo Congresso americano para punir violadores de direitos humanos. Uma das medidas mais usadas contra cidadãos brasileiros recentemente processados por razões políticas, ou por sua opinião, foi justamente o congelamento de contas bancárias. Existe uma certa ironia no fato de que essa é uma das primeiras consequências sofridas pelos sancionados pela Lei Magnitsky.

O que o futuro trará, ninguém sabe — mas é inevitável que traga uma correção. Nenhuma correção parece ser possível sem a anulação de todos os atos ilegais, sem a libertação de todos os que foram presos injustamente e sem a devida compensação pelos prejuízos por eles sofridos. A responsabilização dos autores e executores das medidas ilegais é uma decisão política, a ser tomada pelos estadistas do futuro.

Mas nenhuma futura correção compensará os danos causados ao país durante esses novos anos de chumbo. Mais do que a corrosão da sensação de segurança física e jurídica, os juristocratas são responsáveis pela sabotagem da própria ideia de Constituição.

A verdadeira Constituição brasileira, eles nos ensinaram, é o vale-tudo.

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