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O sargento Roger Dias, de 29 anos, foi baleado na cabeça por um criminoso que deixou a prisão beneficiado pela “saidinha” de Natal.
O sargento Roger Dias, de 29 anos, foi baleado na cabeça por um criminoso que deixou a prisão beneficiado pela “saidinha” de Natal.| Foto: Divulgação/Polícia Militar

Esses são os fatos: um criminoso com 18 passagens pela polícia foi novamente preso e condenado. Após algum tempo ele – como acontece com todos os criminosos brasileiros, sem exceção – passou a usufruir do “benefício” do chamado regime “semiaberto”. Nesse regime, teoricamente, o criminoso condenado à prisão é autorizado a passar o dia fora da cadeia “trabalhando” (teoricamente) e se recolhe ao presídio apenas para dormir.

Nos feriados do final do ano passado, esse criminoso (chamado, em pelo menos um comunicado oficial, de “reeducando”) passou a usufruir de outro benefício: a “saidinha” – uma chance de passar cinco dias em sua casa (de novo, teoricamente). O criminoso aproveitou a saidinha para sumir. Essa era sua situação – foragido – até que, há poucos dias, ao reagir a uma abordagem da polícia, ele baleou um policial na cabeça.

A tentativa de “reinserção” custou a vida de um policial. Quantas outras vidas e sofrimento de inocentes essa fantasia terá custado até hoje?

Os absurdos “benefícios” que o Brasil dá a seus criminosos voltam, assim, à pauta do dia. O clamor de indignação foi enorme. Muitos exigiram que, em casos como esse, o magistrado que decidiu pela liberação – nesse caso específico, agindo contra uma recomendação do Ministério Público – fosse responsabilizado pelas consequências do seu ato. Em resposta, uma associação de magistrados de Minas Gerais publicou uma nota. Vamos ler a nota da AMAGIS:

"A Associação dos Magistrados Mineiros (Amagis) vem se solidarizar com todos os Policiais Militares e com a família do Sargento Dias face a descomunal agressão que sofreu de um preso em saída temporária quando no exercício da sua função."

Não foi uma “agressão”. O criminoso deu dois tiros na cabeça do policial militar Roger Dias. Continua a nota:

"Esclarece face a comentários dissociados da realidade o seguinte: a) o acusado estava no regime semiaberto; b) o acusado tinha direito a sair diariamente para o trabalho desde novembro de 2023; c) não havia falta grave anotada em seu atestado carcerário, sendo que a acusação de furto noticiada resultou na perda do livramento condicional em meados do ano passado, porém, o Ministério Público não deu inicio à ação penal resultando no relaxamento da prisão provisória. Todas as decisões mencionadas foram proferidas de modo técnico, conforme farto entendimento do TJMG e do STJ.

Esclarece, ainda, que a Lei autoriza as saídas temporárias, até cinco vezes por ano, por até sete dias cada uma, e o calendário do sentenciado foi apresentado pela direção do presídio.

O Juiz de Execução Penal não julga novamente o que levou à condenação dos sentenciados, ele acompanha o cumprimento da reprimenda buscando a reinserção do indivíduo conforme as penas já estabelecidas."

Prestem atenção à expressão “reprimenda”. Pode até ser um termo técnico. Mas, mesmo involuntariamente, ofende: na verdade, o bandido cumpria pena de prisão por crimes cometidos. Prestem atenção no termo “reinserção”. O papel dos magistrados é buscar a segurança da sociedade e o cumprimento da lei, e não “reinserção” – “reinserção do criminoso na sociedade”, é o que a expressão parece significar. É um termo análogo à tão falada ressocialização”, que não passa de uma fantasia ideológica, cujo distanciamento da realidade é demonstrado exemplarmente por esse caso.

Em que universo a culpa desse assassinato é dos “ataques inexplicáveis por trás das redes sociais”? Não no universo “em que atualmente vivemos”.

A tentativa de “reinserção” custou a vida de um policial. Quantas outras vidas e sofrimento de inocentes essa fantasia terá custado até hoje? É impossível saber. O que se pode saber – e que consta da própria nota – é que o criminoso que baleou o policial na cabeça estava no “regime semiaberto”, saindo diariamente “para o trabalho”. Pense, por um momento, que qualquer um de nós – ou dos nossos familiares – poderia ter cruzado com ele na rua, no shopping ou na porta de uma escola.

Preste atenção à determinação da lei de que, para o juiz da execução – o juiz que supervisiona o cumprimento da pena – não importa o crime que levou à condenação. Isso ficou para trás, junto com a dor e o dano causado às vítimas. O que importa é a “reinserção”. Em que mundo isso é justo? Mas a nota continua:

"É lamentável vincular a tragédia experimentada pelo corajoso Sargento Dias ao Juízo que concedeu benefício previsto na Lei."

O grande economista e pensador americano Thomas Sowell já explicava o erro que cometemos ao deixar assuntos importantíssimos nas mãos de pessoas que não arcam com as consequências de suas decisões. É exatamente o caso aqui. Nesse ponto, a nota perde qualquer contato com a realidade:

"Afinal, o ocorrido reflete a sociedade em que atualmente vivemos, cada vez mais violenta, armada e intolerante, recheada de ataques inexplicáveis por trás das redes sociais, não enfrentando os verdadeiros motivos da violência urbana, fruto da desigualdade social, falta de oportunidades de trabalho lícito aos egressos do sistema prisional, além da falta de perspectiva de futuro para inúmeras pessoas."

Esse trecho não poderia explicar melhor a causa da tragédia sem fim de nossas ruas. Perceba o que a nota afirma: a culpa do crime não é do criminoso que disparou uma arma duas vezes na cabeça de um policial. A culpa do crime é da “sociedade em que atualmente vivemos”. A sociedade é “violenta, armada e intolerante”. Mas quem estava armado era o criminoso! Que demonstrou total intolerância com o policial – um representante do Estado – foi o bandido. Em que universo a culpa desse assassinato é dos “ataques inexplicáveis por trás das redes sociais”? Não no universo “em que atualmente vivemos”.

Não vai demorar muito até que o assassino “progrida” de novo para o regime semiaberto e volte para as ruas

A nota afirma que os “verdadeiros motivos da violência urbana”(na verdade, o termo correto não é “violência”, mas “crime”) são “desigualdade social, falta de oportunidades de trabalho lícito aos egressos do sistema prisional, além da falta de perspectiva de futuro para inúmeras pessoas”.

São correlações inexistentes, como já foi amplamente demonstrado pelo trabalho de pesquisadores como o psiquiatra forense Stanton Samenow (em A Mentalidade Criminosa), o prêmio Nobel de Economia Gary Becker (justamente na tese ganhadora do prêmio de 1982), o professor brasileiro Pery Shikida (cuja pesquisa mostrou que 50% dos criminosos presos por crimes como sequestro, assalto ou latrocínio tinham imóveis em seu nome no momento do crime) e o professor americano Barry Latzer, em seu clássico A Ascensão e Queda do Crime Violento na América. Todos esses trabalhos são extensamente citados no meu livro A Construção da Maldade: Como ocorreu a destruição da segurança pública brasileira. Para minha surpresa, o livro é um best-seller. Eu gostaria de enviar um exemplar à AMAGIS.

O Brasil tem milhões de desempregados e subempregados, que sofrem “da falta de perspectiva de futuro”, mas a maioria deles nunca assaltou nem matou ninguém. Como esses brasileiros, pobres e decentes, se sentem lendo a nota da AMAGIS?

A causa do assassinato do sargento Roger Dias é óbvia: o que causou a morte do policial foi a decisão do criminoso de atirar duas vezes em sua cabeça. Não importa porque ele tomou essa decisão – se por perversidade, vício em drogas, desvio moral ou sociopatia. O que interessa são as consequências. Sabemos quais elas serão.

Não vai demorar muito até que o assassino “progrida” de novo para o regime semiaberto e volte para as ruas – com toda a probabilidade, para cometer novos crimes. Que a AMAGIS não tenha nada a dizer sobre isso, é espantoso.

Conteúdo editado por:Jocelaine Santos
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