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Altamente subversivo
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O 1° Salão de Humor de Piracicaba, em 1974, não foi brincadeira – em nenhum sentido. Depoimentos mostram que, além de talento, humor, traço e sacadas, era preciso ter mão firme e carregar nas tintas da coragem.
O livro “Piracicaba 30 anos de humor”, editado em 2003 pela Imprensa Oficial de São Paulo – Instituto do Memorial de Artes Gráficas do Brasil traz, entre outros, o depoimento de João Maffeis Netto. Título: Entre o humor e os homens de verde.

Rompendo o bloqueio

Para entender o Salão, ele ressalta que “é preciso retroceder às origens da revolução militar de 1964, que cerceou direitos fundamentais e instalou a censura prévia”. Cada um passou a resistir à sua maneira.
“Mesmo com toda essa pressão, a partir de 1964 formou-se toda uma geração de humoristas gráficos, que tentou romper o bloqueio imposto pelo governo. Millôr Fernandes, Fortuna, Jaguar, Henfil, Ziraldo fizeram parte desse grupo”.
E, cita, é claro O Pasquim, que, dirigido por Tarso de Castro, surgiu em 1969 – e brigou como pôde. Foi nesse clima que surgiu o Salão de Humor de Piracicaba, em 1974, “justamente um ano em que a censura se acentuou e o governo militar ganhava novos contornos”.
O general Ernesto Geisel acabara de assumir o poder. “Se de um lado existia o risco de apreensão do material e do indiciamento dos organizadores e cartunistas, o reverso da medalha estava na expectativa da população, da imprensa e dos visitantes em ver as peças que levavam temor ao governo”.

“Humor de bom gosto”

Apesar dos temores no ar, “o primeiro salão foi uma festa: até o representante do Exército em Piracicaba estava presente, causando uma certa apreensão, superada em parte quando ele declarou que ali se encontrava por curiosidade, e não a trabalho”.
Ao sair, o capitão “reforçou que achou o humor de bom gosto, nada ofensivo, cumprimentando todos os cartunistas e organizadores”.
Havia muita expectativa, até porque Piracicaba já tivera um prefeito, Francisco Salgot Castillon, cassado em 1969 devido a “dissensões políticas locais”. Dissensões “alavancadas por fotos de um protesto de funcionários da Estrada de Ferro Sorocabana, onde ele, Salgot, na época deputado estadual, aparecia deitado sobre os trilhos, em companhia de grevistas”. Foi a gota d’água para a cassação.

Da fábula do rei

A primeira comissão do Salão, formada por Millôr, Ziraldo, Zélio, Jaguar e Fortuna, selecionou 150 trabalhos entre mais de 700 inscritos. O cartum premiado foi o de Laerte Coutinho. Inspirado na fábula de Hans Christian Andersen, O Rei Está Nu, viajava no tempo e satirizava o governo.
A cena: vítima da repressão, uma criança, suspensa no ar por correntes e com bolas de ferro nos pés, está no meio de torturadores. Em primeiro plano, numa forja, um deles prepara o ferro em brasa.
O torturado exclama, apavorado:
– O rei estava vestido!
E foi assim que, já segunda edição, o Salão de Humor de Piracicaba passaria a contar com a participação de artistas de outros países. Tornando-se uma referência mundial.

ENQUANTO ISSO…


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