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De volta ao casarão mal-assombrado
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Entrada gratuita e todos muito bem-vindos. Assim, Natureza Morta, o professor Afronsius e até o Beronha (“é no grátis”) compareceram ao Solar do Barão, em Curitiba, para ver exposições da Gibicon 1.
Ao entrar no palacete, Natureza, ao contrário de muita gente, sentiu um friozinho na barriga. Veio à sua mente “Crônica da Casa Assassinada”, 1959, de Lúcio Cardoso. Nada a ver com o Solar, até porque o jornalista e escritor foi da UDN e seus tormentos do passado eram bem outros, mas sim pela memória, que às vezes, sem razão aparente, desfecha um ataque de surpresa. Guerra de guerrilha.

Páginas sombrias

Na saída, o solitário da Vila Piroquinha explicou o que já houve um tempo em que a alegria e a liberdade da arte e do pensamento não fizeram morada entre aquelas vetustas paredes. Pelo contrário: muita gente chegou lá com escolta militar. E arrastado.
O hoje espaço cultural abrigava o Comando da 5.ª Região Militar. E o tema em cartaz era recorrente, sempre o mesmo: “atividades subversivas”.
Foi lá, por exemplo, que, às vésperas do golpe civil-militar de 64, o então sargento Walmor Weiss foi parar. Preso. Como relata o livro de Milton Ivan Heller “O Prisioneiro da Cela 310” (prisioneiro no agora desativado Presídio do Ahu), Walmor teve pela frente o general Ernesto Geisel. Comandante da 5.ª Região.

Uma associação explosiva

Hoje um bem-sucedido empresário, Walmor era diretor da Associação dos Sargentos e assinava uma coluna (“Plantão Militar”) no jornal Última Hora/Paraná.
Geisel o recebeu friamente: “Sabemos da sua participação no movimento dos sargentos e o senhor está conturbando o ambiente dentro do Exército”.
– General, eu sempre tive orgulho de ser militar e participamos de reuniões para evitar que outros queiram deturpar o movimento, que é legítimo.
A argumentação do sargento não convenceu o general, pelo contrário. De imediato (já que o ato seguinte seria a prisão), veio a advertência/reprimenda: “Você não perde por esperar”. De fato.

O general versus o deputado

Alguns anos depois, quando o comandante já era outro general, um jovem repórter do jornal O Estado do Paraná, que cobria a chamada “área militar”, receberia um pedido. Um favor “muito especial”. Partiu de um colega. Como tinha acesso ao QG, devidamente credenciado pela carteirinha do jornal, seria aparentemente simples atender. Bastaria entregar ao general a cópia de um documento. O pedido viera de um deputado, amigo do amigo.
Como confiava no amigo/amigo, o repórter concordou. Fez a entrega. O general abriu o envelope e ficou estático, branco e mudo. O repórter, mais ainda. Educadamente, o general agradeceu e dispensou o repórter.
O documento era cópia da ata de uma reunião a portas fechadas, na Assembleia Legislativa do Paraná. E pôs por terra um boato, ou trama, que tomava conta dos meios políticos (e militares), de que o deputado, na tal reunião, teria criticado duramente o general, envolvendo, inclusive, a mulher do militar. Intriga rasteira, diabólica, de um adversário político.
Desfeita a maldade, quando o general foi transferido de Curitiba, foi alvo (epa!), alvo não caberia muito bem, de muitas homenagens e lava-pés, como era de praxe. Altas bajulações. Uma delas, na Assembleia. Ao final da cerimônia, o iracundo general ganhou do deputado a imagem de uma santa. E se abraçaram, comovidos. Segundo pessoas que estavam ao lado, até “deixaram escapar algumas lágrimas”.
Sem querer, o repórter salvou o deputado, que já engrossava uma lista de cassação de mandatos. Livrou o político da cassação; ou de sofrer algo muito pior. Naqueles tempos, certas pessoas simplesmente sumiam. E não por abdução alienígena. Final feliz. Será? tempos sombrios. Passados, mas continuadamente presentes.

ENQUANTO ISSO…


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