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Paranaenses no cárcere
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Como não foi a primeira vez – e parece que também não será a última -, o professor Afronsius decidiu tocar no assunto: que bicho mordeu o paranaense? É que alguém comentou com ele que se trata de um tipo muito estranho.
– Como assim? – Natureza Morta quis saber.
– Fechadão, introspectivo, meio distante.
– E não é apenas na rua, com a vizinhança, no elevador do prédio. Nem atrás das grades.

Memórias do preso 3535

O solitário da Vila Piroquinha, de imediato, pinçou algumas referências que constam de Memórias do Cárcere, de Graciliano Ramos, 1953, primeira edição. Sem acusação formal ou processo, em 1936 foi preso em Maceió e encaminhado para Recife, onde embarcaria com destino ao Rio de Janeiro no navio “Manaus”. Ele e outros 115 presos. O país estava sob a ditadura de Vargas. No Rio, até janeiro de 1937, Graciliano passou pela Casa de Detenção e Colônia Correcional de Dois Rios (na Ilha Grande).
“Permutando cochichos” ou por conta do pronome da “língua Paraná”, alguns dos novos companheiros de cadeia chamam a atenção de Graciliano, que, na Ilha Grande, seria “simplesmente o preso número 3535”.
Está lá, na página 150 do segundo volume: “Os paranaenses, graves, metódicos, arrumavam-se para descansar da melhor maneira, examinavam lentos a sala acanhada, permutando cochichos”.
“Lembrei-me de um caboclo da minha terra, impelido ao Sul finda a ilusão da borracha”. De regresso, “esse tipo me dissera: – Vossa mercê não imagina. Em São Paulo há um bando de línguas. Língua Bahia, língua Mato-Grosso, língua Paraná. São diferentes da nossa, mas o senhor entende. O que ninguém entende é a língua Japão: essa é uma língua… Na verdade a do Paraná, como afirmava o tabaréu, compreendia-se bem: contudo o diabo do pronome, arrastado pelo velho Eusébio, chocava-me”. Ou, não “fluía simples e horizontal”.
Na página 155: “Afinal a chave rangeu na fechadura da porta, vultos deslizaram sem rumor, os capotes grossos dos paranaenses juntaram-se à entrada”.
Cavalos na colônia
Na página 149, Natureza tinha assinalado uma passagem. Não resistiu e leu para o professor Afronsius, agora acompanhado do Beronha: como Graciliano passava boa parte do tempo escrevendo, o diretor suplente ficou intrigado. Depois de esbugalhar os olhos, inquiriu:
– O senhor é jornalista?
– Não senhor. Faço livros. Vou fazer um sobre a colônia correcional. Os senhores me deram assunto magnífico. Uma história curiosa, sem dúvida.
O médico dá as costas e sai resmungando:
– A culpa é desses cavalos que mandam para aqui gente que sabe escrever.

Das origens

Papo animado, interessante, o vizinho de cerca (viva) recorreu a algumas observações, começando, é claro, por Um Brasil Diferente, de Wilson Martins, livro de 1955. Nele, o mestre, como apontaram vários críticos, faz um contraponto à Casa Grande & Senzala, de Gilberto Freire. Ou seja, a formação da identidade paranaense contou não só com a contribuição do índio, negros e portugueses, mas também com a presença de italianos, alemães, russos e japoneses.
Outros estudiosos ressaltaram que “a especificidade da obra de Martins em função do momento em que foi publicada e de suas relações com a produção das ciências sociais brasileiras daquele período”.
Já Temístocles Linhares, em Paraná Vivo, 1953, diz, acerca da originalidade paranaense, que nela “não reside nenhum exotismo puro e simples, nem numa separação da maneira de ser e da tradição brasileira. Essa originalidade está tão somente no fato de o Paraná pertencer ao Brasil sob um aspecto particular”. É ainda de Temístocles que “tal aspecto particular tem vários acentos e um dos mais dignos de atenção é o que diz respeito à acomodação e à adaptação das populações europeias” – tem “seu estilo de vida regional”.
Que o Paraná apresenta diferenças, ninguém contesta, como ninguém contesta também que “as diferenças ou dissonâncias regionais possam comprometer o estilo de vida ou a unidade nacional”.

ENQUANTO ISSO…


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