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Um certo Ano Passado
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Cenário: Cine Riviera, antigo Cine Santa Maria, centro de Curitiba, ao lado do Guaíra. Em cartaz “Ano Passado em Marienbad”, de Alain Resnais. Ano: algo entre 1964 e 1966.
O filme, até hoje desconcertante. Quase indecifrável para ser bem sorvido. Algo com um vinho de alta qualidade: quem não é expert não terá chance de aproveitá-lo 100% – e até poderá dizer que é só mais uma marca. Ou que Mona Lisa é mero retrato.
Na plateia, cinéfilos, alguns projetos de críticos cinematográficos e espectadores que simplesmente “gostam de cinema”.

Uma batalha cerebral

Année dernière à Marienbad, L’, 1961, roteiro de Alain Robbe-Grillet, são 94 minutos de desafio cerebral. Em um hotel, um estranho tenta convencer uma mulher casada para que fujam. Parece difícil para ela se lembrar que tiveram um caso, ou não, no ano anterior em Marienbad.
Elenco: Delphine Seyrig, Giorgio Albertazzi, Sacha Pitoëff e Luce Garcia-Ville.
– Até os nomes são de fundir a cuca – comenta Beronha, que insiste em acompanhar o que diz Natureza Morta.
– Um filme difícil, sem concessões, hermético, nada comercial. Subversivo. Subvertia a linguagem cinematográfica.
O mal-estar entre o público torna-se pesado, logo de cara. Quase palpável. Aí, como sempre acontecia no velho Riviera, alguém da plateia se levanta e grita:
– Pára! Pára tudo! – NN*: na época, para do verbo parar levava acento. * Nota do Natureza.
Silêncio. Acendem-se as luzes. Expectativa, alguns filetes de tensão.
– O que foi? – devolve alguém da porta da cabine de projeção.
– Está errado! Trocaram o rolo do filme. Este não é do início, mas o rolo 2, o da parte final.
Alívio. Descobre-se, então, que o espectador já tinha visto “Ano Passado em Marienbad”. Em Paris.
Mais alívio. E alguns tímidos aplausos.
As luzes se apagam. Recomeça a projeção, agora com o rolo 1. De pouco adianta. O filme continua no mesma cadência, sombrio, enigmático. Uma paulada.
Na saída, a busca para localizar o salvador. Que, conhecedor de cinema, tira a dúvida de várias pessoas, ainda intrigadas não com o erro na projeção, mas com o que assistiram. Em pouco tempo, o até então anônimo (não veneziano) se revelaria um dos maiores críticos de cinema do país, escrevendo inicialmente em jornais da província.

Cumplicidade positiva

Ainda sobre o filme – ou a uma outra discussão que provocou e prossegue até hoje -, o crítico Luiz Carlos Merten escreve no livro “Cinema: entre a realidade e o artifício”, da Artes e Ofícios Editora, 2003, que Resnais nunca abriu mão do roteiro, “desenvolvendo sua obra com a cumplicidade de escritores que adaptou e a quem encomendou os roteiros”. Caso de Alain Robbe-Grillet em “O Ano Passado em Marienbad”, mas, como ressalta Merten, foi além da condição de “apenas um ilustrador”.
Resnais tem “uma maneira de armar o plano, de estabelecer o ritmo, de jogar com o tempo e o espaço para criar um imaginário que é do cineasta e o transforma em autor”.
É que o cinema que fazia, pegando roteiros prontos, alheios, tinha levantado fortes debates por conta da Nouvelle vague. Não seria o verdadeiro cinema de autor.

ENQUANTO ISSO…


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