Não direi nenhuma novidade se eu descrever, mais uma vez, as dificuldades e os desafios oferecidos pela maternidade e pela vida em família. Especialmente porque dizer tudo isso de novo àqueles que ainda não passaram por essa experiência não fará mais que ajuntar palavras ao seu repertório, sem alterar em quase nada o confronto real, o momento concreto em que o viverem; e dizer tudo isso para quem já viveu ou está vivendo momentos de grande dificuldade é um pouco redundante, é chover no molhado, e serviria apenas como um aceno de comunicação, como um sinal de cumplicidade que pode acalmar um pouco as desesperadas, como que dizendo: “Eu sei o que você está passando; eu sei mesmo, eu juro que sei, porque já passei por isso” – no meu caso, já passei sete vezes por isso.
Eu sei, por exemplo, que você que acabou de ter seu bebê está se sentindo muito estranha, que quase não reconhece o próprio corpo, que o que mais queria era que sua barriga voltasse logo ao normal, pois não quer mais usar roupas de grávida e suas roupas antigas também não lhe cabem ainda. Sei que é difícil amamentar, encontrar a “pega” certa, e ficar tranquila com a certeza de que seu filho está bem alimentado. Sei como doem os seios, às vezes apenas com o toque da água no banho, e como complicações, como uma mastite, podem ser atordoantes. Sei como é difícil não dormir nada, e acordar tantas vezes, e sei como o choro do bebê mexe com a gente, e pode nos enlouquecer. Eu sei, juro que sei, que você não tem tempo para nada, e que parece que sua vida acabou, e que talvez você não esteja conseguindo nem ir ao banheiro com tranquilidade, nem comer em paz, que dirá ter momentos de lazer e outras coisas que você gostaria de fazer. Sei que você está se sentindo sozinha. E, para além do puerpério, eu sei também quais são as muitas vicissitudes da primeira infância, quais são os enfrentamentos que deparamos com a chegada do segundo filho, e como os cuidados da casa se multiplicam à exaustão. Eu sei.
Mas eu sei, também, que um pensamento que toma conta da gente nos momentos mais críticos, naqueles pontos em que nos vemos sem saída, esgotadas, zeradas, encurraladas, é o seguinte: “Eu não vou conseguir sozinha. Eu preciso de ajuda”. Isso é verdade, sim, nós precisamos de ajuda, e é bonito sermos humildes para reconhecê-lo e para pedir o auxílio necessário. Mas, por trás desse pensamento, que vem nesse momento tão crítico, espreita um perigo, um equívoco que pode pôr em risco nossa própria vivência da maternidade e o próprio empreendimento da nossa família. Este artigo é para alertar para esse perigo, e eu vou bem direto ao ponto: é impossível crescer sem dor.
A ajuda que recebemos, que buscamos ou que exigimos está sendo de fato uma ajuda ou está, na verdade, atrapalhando o caminho que desejávamos trilhar?
Fundar uma família, cuidar dela e cultivá-la, isto é, viver intensamente um relacionamento conjugal, que seja, mais do que qualquer outra coisa, um caminho de verdadeira felicidade, de engrandecimento, de entrega total e de busca por transcendência, e o qual nós façamos frutificar nos filhos, os quais nós educaremos no mesmo caminho de entrega e de bondade – meus caros leitores, isso não é pouca coisa. E, não sendo pouca coisa, não seria coerente que tivesse um preço baixo, que não exigisse de nós profundas e sérias transformações, conflitos e batalhas, esforços e superação de limites. E superar um limite – numa palavra, amadurecer – dói. Amadurecer, seja em qual etapa da vida for, exige de nós uma série de atitudes deliberadas, cujo sentido pode não estar muito claro no momento, mas se esclarecerá justamente quando fizermos o que temos de fazer. Mais ou menos como se dá naquela antiga ideia de “iniciação”, em que, por meio de um confiante gesto de entrega, ainda que doloroso, ou um salto esperançoso para o desconhecido, nós somos amparados, em seguida, pelo conhecimento do mistério. Nós não sabemos ainda como é ser maduro, como é ser de fato aquilo que desejamos ser; por exemplo, não sabemos o que é não ser mais uma filha ou uma adolescente, e imaginamos que ser uma mãe adulta seja algo maravilhoso. E é maravilhoso, não é mentira nem estão escondendo de você os sofrimentos. É que a transição, a transformação, a metamorfose, se quiserem, está intrinsecamente ligada à dor, e é preciso – não tem saída – passar por ela (nada como as dores do parto para explicar o que quero dizer!).
Quando se tem o primeiro filho, a transição é de fato muito direta, um corte seco, um salto do zero ao cem: num instante, estão todos cuidando de nós com o máximo de seu zelo e de sua atenção, afinal, somos as portadoras da nova vida; tudo para as gestantes é preferencial, e falta apenas estenderem para nós um tapete vermelho; no instante seguinte, sentimos as maiores dores que jamais imagináramos, e o foco muda instantaneamente para o recém-nascido: ele passa a ser o centro do mundo, e nós passamos a ter de negar todas as nossas necessidades e desejos, nosso descanso, nossa própria integridade física, todo o nosso tempo, por ele, para que ele seja atendido em tudo. Entretanto, essa é a grande chance, essa é a dor que pode fazer você amadurecer como mãe, e, no fundo, não há quase nada que seu marido, ou sua mãe, ou irmã, ou sogra, ou tia, ou quem quer que seja, possa fazer para efetivamente ajudar. O puerpério será um grande parto: o parto de uma mãe; o parto de um amor novo, gerado no seu coração. E igualmente cada desafio na educação de cada um de seus filhos, e na solução de cada problema doméstico: minúsculos partos, cuja dor será o sintoma de um amadurecimento, do surgimento de uma mãe mais madura – pois ser maduro não é saber cuidar de si mesmo, apenas, mas saber cuidar de um outro.
É este, então, o ponto central: a ajuda que recebemos, que buscamos ou que exigimos está sendo de fato uma ajuda ou está, na verdade, atrapalhando o caminho que desejávamos trilhar? Ninguém deve sofrer em vão, é óbvio, e cada família deverá encontrar a medida e a maneira de estruturar a sua vida prática. Não há nada de intrinsecamente mau ou errado na ajuda dos avós ou de outros familiares, no trabalho da babá ou de outras ajudantes, nem em se frequentar creches e escolinhas. A questão é se essa ajuda, que está aliviando o trabalho do corpo, a exaustão da mente, o funcionamento das coisas materiais, enfim, que está contribuindo para a paz do lar, no sentido mais imediato e superficial, está também ajudando aquilo a que essa paz serve. Essa “rede de apoio”, como veio a consagrar-se o termo, está de fato embaixo, sendo um apoio para a busca dos objetivos superiores da família – a comunhão do casal, a formação do caráter dos filhos? Nem sempre. A nossa carne grita, e pode ser que alguma mãe chegue a gritar, literalmente, de raiva ao ler escritas estas coisas que estou dizendo; mas um esforço corajoso e atento de reflexão pode nos mostrar a verdade, que é que, em boa parte dos casos, a ajuda que recebemos ou que exigimos é uma fuga da dor, logo uma fuga da responsabilidade, das exigências da nossa nova situação existencial como mães, e isso impedirá nosso amadurecimento. E isso, no curto prazo, nos fará ser estranhamente infelizes, incompletas.
Para verdadeiramente fundar uma família é preciso assumir as responsabilidades correspondentes, o protagonismo da família, cada um dos dois o seu respectivo papel. E esse protagonismo não é mental, nem meramente intelectual, mas deve ter material, pois, como eu disse, nossa compreensão de certas coisas só vem depois da dor. Devemos encarnar o nosso ideal. Isso vale, inclusive, para o âmbito financeiro. Se o casal ainda não assumiu as rédeas de sua nova família logo após o casamento, quando nasce o primeiro filho é bom que não tarde mais em fazê-lo. Trabalhar para sustentar nossa família, e trabalhar para que se dê a educação dos nossos filhos, é fazê-lo na prática, é saber na carne o quanto isso nos custa, quais são as suas consequências; é assim que saberemos o seu valor, e amaremos a nossa família de fato.
Um novo núcleo familiar foi fundado: a expressão “minha família” deve ganhar um novo sentido primário, que não é mais o da casa dos nossos pais, ao lado de nossos irmãos; estes serão para sempre nossa família, que amaremos, respeitaremos e de quem cuidaremos nas necessidades; mas em segundo lugar. Agora somos pessoas diferentes, numa vida de exigências e expectativas diferentes. Nós devemos assumi-lo, e nem nossos pais nem qualquer outra pessoa pode viver isso para nós, sofrer no nosso lugar, pagar o preço por nós, e arcar com o que é de nossa responsabilidade. Mesmo as tarefas mais banais, é preciso que nós saibamos executá-las minimamente, que compreendamos o seu valor relativo e o seu lugar na harmonia da casa, ainda que seja para orientar uma babá, que é uma ajudante, e não uma substituta.
O problema não é ter uma rede de apoio. O problema é não conseguir de fato assumir aquilo que é exigido de você
Sendo assim, não faz muito sentido termos, com relação a uma “rede de apoio”, uma postura condicional, de exigência, como se disséssemos: “Eu só posso ter uma família se houver gente para ajudar assim e assado”, ou “sem alguém que me ajude deste modo e por tanto tempo, eu não serei uma boa mãe, ou um bom pai”. Não estou dizendo que somos invencíveis e que aguentamos tudo sozinhos, e nem estou negando que uma família nuclear isolada pode passar severos apertos. Mas acontece que esse tipo de pensamento é antifamília, ele é contraditório com a atitude de assumir a responsabilidade e a entrega por uma nova família, e que assim merecerá ser respeitada como tal. É a afirmação de que não conseguimos andar nunca com as próprias pernas, de que sempre precisaremos de uma muleta. E quem precisa de muleta, por definição, é porque está debilitado, doente, impotente, machucado. Ora, você não pode ser essa pessoa, uma pessoa assim não leva uma família para a frente, não a sustentará quando o perigo e o problema vierem. Você precisa ser uma pessoa inteira, capaz de ser, você mesma, o apoio de sua família, apesar do medo da dor e do desconhecido. Esta é a nova vida do adulto, esta será a maturidade.
Assim nossos próprios pais e sogros nos respeitarão, embora, por já saberem o caminho, às vezes queiram interferir e assumir por nós alguns problemas que ainda não sabemos bem como resolver. Mas ensinar ou aconselhar não é fazer em nosso lugar. Essa atitude de valente emancipação na verdade evitará muitos conflitos familiares, entre genros, noras, sogros e sogras, especialmente, mas também no que concerne à educação das crianças. Isto porque os avós não podem substituir os pais e serem a principal referência dos pequenos; são os pais quem o filho deve ver atuando na vida, cujo caráter ele deve ver atuando, sendo leal, generoso, esforçado, e inclusive humilde para com as próprias faltas. A função dos avós é dar afeto, certamente, e não educar; logo, não podem assumir uma posição superior aos pais na hierarquia de poderes que a criança respeita.
O problema não é ter uma rede de apoio. O problema é não conseguir de fato assumir aquilo que é exigido de você. O problema não é ter rede de apoio, o problema é quando esta rede de apoio é na verdade uma teia, é uma rede tecida por ligações perigosas para a independência, para a autonomia da sua família, e para a soberania dos valores que você quer que imperem no seio do seu lar e na educação das suas crianças. A ajuda que podem nos prestar, seja de que natureza for, não pode trazer em si o seu contrário, que é atrapalhar a fundação, a formação e o florescimento da nossa família, e que se dá, necessariamente, conosco assumindo a responsabilidade sobre ela, e assim amadurecendo – e, para amadurecer, passando necessariamente pela dor. Conheça-se e cuide-se, sim; mas não coloque um limite para a sua entrega, um limite que sufoque o seu próprio amadurecimento, e que será, muito logo, um obstáculo à sua felicidade. Distinga as coisas segundo o exigente critério de quem quer ser pai e mãe de uma nova família: ajuda não é muleta. Uma rede, bem sabemos, pode servir de apoio e de segurança, como a rede que ampara os artistas de circo em seus saltos no vazio. Mas outras redes, como as de pesca e de caça, servem para prender, e para impedir o movimento. Não se deixe enredar pelo medo.
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