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Samia Marsili

Samia Marsili

Educação

Volta às aulas, “Back to basics”

Parceiro da Escola
Parceiro da Escola (Foto: Gabriel Rosa / AEN)

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A volta às aulas deste ano está próxima. Certamente a maioria dos pais já fizeram a matrícula ou a rematrícula de seus filhos no colégio, público ou privado, e já se ativeram às listas de materiais, já se preocuparam com seus uniformes, com a logística do transporte... Há os que estão satisfeitos com as escolas, há os insatisfeitos, há os que porventura estão batendo perna desde o fim do ano passado, em busca de uma escola que os agrade, e estejam na expectativa do ano letivo que se inicia agora — um pouco aflitos, ou confiantes. Quero aproveitar o ensejo para iluminar os princípios que devem nortear, ou deveriam ter norteado, a nossa escolha: a escolha do colégio em que inscrevemos nossos filhos, e que são os mesmos princípios a guiar nossa avaliação desse mesmo colégio, nossa apreciação de seus resultados e o juízo que fazemos da sua qualidade. Desejaria que a volta às aulas fosse, ao menos para meus leitores, uma ocasião de retorno aos princípios, de back to basics.

A escolha de uma escola para os filhos é uma decisão que pode parecer simples, mas que traz em si uma carga imensa de implicações formativas, rebatimentos muito sérios, para muito além de um uniforme, um prédio, um caminho perto de casa, uma mochila. Ora, com tantas opções disponíveis, como discernir o que realmente importa? Muitas vezes, os pais se sentem perdidos diante da variedade de ofertas e se perguntam: quais critérios deveriam guiar essa escolha? Afinal, ouvimos por toda parte que o colégio perfeito, o colégio ideal, não existe. Ou ao menos que aqueles que equilibram excelência acadêmica com uma formação humana integral são muito raros. Isso é verdade, mas não deveria nos desanimar. Mesmo quando as opções parecem insuficientes, é essencial lembrar que o protagonismo na educação dos filhos pertence, antes de tudo, aos pais.

O colégio deve ser um parceiro nosso no processo de formação dos nossos filhos, sem dúvida, mas nunca o único responsável. Uma escola pode — e deve — reforçar os valores transmitidos em casa, mas jamais substituir a formação familiar. É verdade que a educação não visa  proteger as crianças do mundo, mas sim equipá-las para enfrentá-lo e, de algum modo, contribuir para sua melhora. No entanto, quanto mais novas são as crianças, maior deve ser o cuidado com os ambientes que frequentam, pois é na infância que as bases do caráter são formadas.

Um ambiente escolar que ecoe os princípios familiares pode ser um aliado poderoso — e, inversamente, uma escola que crie ruído ou que se contraponha à formação recebida na família pode ter efeitos negativos muito graves, pois a criança não tem condições, ainda, de analisar, comparar e julgar estímulos conflitantes, e ficará confusa.

Sendo assim, ao buscar uma escola, os pais precisam entender que matricular as crianças lá não significa, em hipótese alguma, delegar e desligar-se. Essa parceria exige acompanhamento constante. Mesmo nas melhores instituições, a presença ativa dos pais é crucial. Uma comunicação aberta com a direção e os professores não apenas fortalece a relação escola–família, mas também oferece aos educadores uma visão complementar do aluno, enriquecendo o processo educativo.

A verdadeira educação vai além de ensinar português, matemática e ciências. É um processo que forma o indivíduo em sua totalidade — física, intelectual, emocional, volitiva e transcendente. Escolas que reduzem a educação a um conjunto de disciplinas, ou que priorizam apenas a preparação para o mercado de trabalho, acabam formando alunos com uma visão limitada e utilitarista da vida. Isso não é suficiente para moldar cidadãos plenos, que compreendam o valor do trabalho e seu papel na sociedade.

Infelizmente, muitas instituições focam mais em resultados mensuráveis do que no desenvolvimento humano integral. Essa visão reducionista desconsidera a riqueza de cada aluno e a importância de personalizar a formação. Uma escola que massifica e padroniza o ensino compromete o potencial único de cada criança.

Os critérios utilizados pelas pessoas hoje em dia — mal-informadas pela mídia e por ideias equivocadas que se imiscuem pelos ouvidos de todos — para a escolha uma escola nem sempre são os mais adequados. Proximidade de casa e preço, por exemplo, são decisões comuns — e de fato, raciocínios logísticos e materiais fazem a diferença na nossa vida, e devem ser levados em conta —, mas muito insuficientes. Escolher a escola mais próxima pode ser tentador, especialmente nas grandes cidades, mas raramente a melhor instituição está na esquina, e podemos estar escolhendo, na verdade, o caminho mais curto... para o problema.

Da mesma forma, o preço, seja ele alto ou baixo, não garante qualidade. Uma escola cara pode apenas impressionar pelos recursos tecnológicos ou pela grandiosidade do campus, sem necessariamente oferecer uma educação verdadeiramente formativa. O que realmente importa é a capacidade da escola de enxergar a criança como um ser integral, respeitando sua individualidade e valorizando todos os aspectos de sua formação. Afinal, educar é muito mais do que ensinar a colorir dentro das linhas ou decorar números. É preparar os alunos para enfrentarem a vida com virtude, caráter e humanidade.

Infelizmente, muitas instituições focam mais em resultados mensuráveis do que no desenvolvimento humano integral

No mundaréu de inovações tecnológicas a que assistimos hoje, atônitos, muitas escolas tentam seduzir os pais com promessas de uma educação “moderna” e “de ponta”, marcada pelo uso de dispositivos como iPads, laboratórios digitais e plataformas interativas. Mas será que a tecnologia por si só é capaz de garantir uma formação de qualidade? Será que as bugigangas modernas formam — formam de verdade, profundamente — uma pessoa humana tão melhor assim do que os bons e velhos papel e lápis?

A realidade é que, sem uma aplicação significativa, a tecnologia pode se tornar mais um ruído do que um recurso. Em algumas instituições, ela não apenas falha em promover o aprendizado, como também fomenta problemas sérios, como o uso indevido de redes sociais. Já se viu casos em que crianças pequenas, com acesso precoce a aplicativos de mensagens, enfrentam situações graves de conflito que a escola, em vez de mediar, prefere acobertar. É como na história de João e Maria: o doce da modernidade pode esconder a armadilha de uma formação superficial.

Além da tecnologia, outros critérios frequentemente usados na escolha de escolas também se mostram enganosos. Muitos pais, por exemplo, buscam instituições renomadas pelo status que proporcionam. A presença de filhos de celebridades ou políticos parece prometer um círculo de contatos vantajoso, mas a realidade é bem diferente. Relações construídas nesses contextos são, em geral, efêmeras e insuficientes para justificar anos de educação voltados apenas para prestígio social.

A tradição também figura como um critério comum. “Estudei lá e foi excelente, por isso meu filho também deve estudar ali.” Embora reconfortante, essa lógica ignora o fato de que as instituições mudam com o tempo. Direções trocam, filosofias educativas evoluem (ou involuem!), e o que antes era um modelo de excelência pode já não refletir os mesmos valores.

Mesmo os pais que escolhem escolas baseando-se em propostas pedagógicas podem ser enganados. Palavras como “inovadora” e “revolucionária” encantam, mas a distância entre o discurso e a prática é, muitas vezes, imensa. Adotar o nome de um método renomado, como o Montessori, não significa necessariamente aplicar seus princípios com fidelidade. Sem professores bem formados e alinhados à filosofia pedagógica, a proposta não passa de uma fachada, marketing.

O foco exclusivo em resultados acadêmicos também merece atenção. Escolas que se vangloriam de altos índices de aprovação em vestibulares podem estar formando alunos brilhantes em provas, mas limitados em outras áreas da vida. Afinal, passar em um exame não garante caráter, inteligência prática ou habilidades interpessoais. Educação de verdade não diz respeito a notas; diz respeito a formar pessoas completas.

O que, então, deve guiar a escolha? Um bom colégio é aquele que harmoniza o protagonismo da criança com o suporte necessário para que ela alcance seu pleno potencial. Em outras palavras, educação de qualidade é sempre personalizada. Reconhece-se que cada aluno é único e que o papel do professor vai além do ensino de matérias: ele é um modelo de valores, caráter e visão de mundo. A formação integral requer professores que sejam educadores em todos os sentidos: pessoas que não apenas dominem conteúdos, mas também inspirem virtudes. Afinal, o caráter de uma criança é moldado pelo contato com personalidades bem formadas. Um professor que valoriza a disciplina que ensina e enxerga o aluno como ser integral transforma o aprendizado em uma experiência significativa.

Contudo, nenhuma metodologia pedagógica é absoluta. O verdadeiro educador é aquele que domina diversas abordagens e sabe adaptá-las às necessidades individuais de cada aluno. Assim como um médico não trata todos os pacientes com o mesmo remédio, um bom professor sabe quando mudar a estratégia para alcançar o coração e a mente de seus alunos.

Mais importante ainda é que a filosofia da escola esteja alinhada à visão dos pais sobre a natureza humana e, consequentemente, sobre a própria educação. Aquilo que se entende como a melhor formação de um ser humano depende do que se entende que o próprio ser humano seja: uma pedagogia está sempre ancorada numa antropologia. Helena Lubienska de Lenval, grande pedagoga, dizia que “A educação é uma metafísica em ato”, isto é, é a aplicação prática de princípios sobre a própria vida. Se os valores do colégio entram em conflito com o que a família acredita, a parceria está comprometida logo de saída. Escolas que minimizam a necessidade de correção ou promovem uma visão idealizada da criança, ignorando suas imperfeições e a importância do esforço e da disciplina, podem ser uma força antieducativa na batalha pela educação dos nossos filhos.

Ao final, a escolha da escola deve ir além das aparências. É preciso investigar como os professores são formados, como a proposta pedagógica se traduz na prática e, acima de tudo, se a instituição contribui para a formação integral dos alunos. Escolher um colégio é investir no futuro — e essa decisão merece ser feita com critério, cuidado e coração.

A educação, desde a Antiguidade, sempre refletiu os valores de cada sociedade. Para os gregos, formar cidadãos significava prepará-los para servir ao Estado, moldando tanto suas habilidades profissionais quanto seu domínio das paixões mais básicas. Contudo, o ideal grego carregava uma armadilha: a subordinação do indivíduo ao interesse estatal. Hoje, vemos ecos desse modelo nos sistemas educacionais modernos, que muitas vezes tratam os alunos como peças de uma engrenagem, reduzindo a formação a um processo de memorização mecânica e alheio à verdadeira conexão humana. Um exemplo gritante dessa abordagem é o “conteudismo”, tão comum em escolas que medem o sucesso pelo volume de informações acumuladas. Nessas instituições, o aluno é tratado como um recipiente de dados, enquanto o aprendizado integrado e significativo é negligenciado. O resultado é um jovem incapaz de enxergar sentido no que aprende, perdido entre disciplinas desconectadas e desprovido de uma visão coerente sobre si mesmo e o mundo.

A ausência de integração entre as matérias gera uma lacuna fatal: o esquecimento da unidade humana. Quando a literatura, por exemplo, é reduzida a listas de movimentos literários sem que haja nenhum contato com as obras que os definiram, os estudantes perdem a oportunidade de vivenciar o poder da linguagem e da criatividade humana. Não se trata apenas de ensinar a técnica, mas de elevar a alma por meio da beleza e do pensamento crítico.

A verdadeira educação é transdisciplinar. Ela não apenas conecta diferentes campos do saber, mas também enxerga para além deles, integrando a dimensão transcendente do ser humano. O ensino não deve ser apenas um meio de acumular informações; deve ser um processo que desperte o sentido de missão e grandeza, que mostre às crianças que elas são chamadas a algo muito maior do que elas mesmas. É lamentável que muitos sistemas educacionais falhem em oferecer essa visão. Limitam-se a atender interesses políticos ou mercadológicos, obscurecendo as virtudes e a transcendência que deveriam ser centrais na formação. Os estudantes se tornam vulneráveis a ideologias e narrativas fragmentadas porque nunca foram ensinados a pensar por si mesmos, a conectar os pontos entre o que aprendem e o que são.

O desafio para os pais e educadores é encontrar escolas e profissionais que entendam o verdadeiro papel da educação: formar pessoas completas, não apenas trabalhadores competentes. Uma educação que respeite a unidade do ser humano, que valorize a relação entre disciplinas e que inspire os alunos a buscar a verdade, a bondade e a beleza, é a única capaz de resistir ao utilitarismo e à mediocridade que permeiam tantos currículos escolares.

Escolher uma escola que adote essa visão não é fácil, mas é vital. Educar é mais do que ensinar: é formar, e formar, assim como lapidar uma pedra preciosa, exige paciência, dedicação e, sobretudo, uma visão clara da grandeza que cada criança é chamada a alcançar.

“Ah, mas essa escola não existe!” Talvez esse pensamento tenha passado pela cabeça de muitos pais ao buscar um colégio para os filhos. Porém, escolas que se aproximam desse ideal existem, ainda que raras. Há instituições comprometidas em colaborar com as famílias na formação integral das crianças, e sua presença é um alívio em um cenário educacional muitas vezes fragmentado. Mas essas escolas só podem cumprir sua missão quando os pais estão dispostos a participar ativamente do processo educativo, e não apenas como críticos ou espectadores. Para terem o sucesso almejado, essas mesmas escolas precisam, por definição, por princípio, da presença dos pais para completar seu trabalho. Pais e professores devem, nas reuniões e outras ocasiões de interação, trabalhar juntos para encontrar os caminhos da escola. Reuniões escolares devem ser momentos de troca, em que os pais compartilhem os esforços realizados em casa e perguntem como a escola pode colaborar. É um diálogo, não um monólogo de reclamações ou de cobranças unilaterais, como fazem clientes.

Ao final de cada ano letivo, a avaliação do colégio deve ir além das notas e da aprovação. As perguntas essenciais são: 1) “Quanto meu filho cresceu como pessoa este ano?”, e 2) “Que papel a escola desempenhou nesse crescimento?”. A educação integral não é medida apenas pelo desempenho acadêmico, mas também pela formação do caráter, pelas virtudes adquiridas e pela capacidade de viver em comunidade, e tudo isso resulta num passo, do nosso filho, em direção a alguém melhor que ele é chamado a ser, um passo adianta na direção da sua própria felicidade.

Sim, encontrar uma escola que compreenda a profundidade do processo educativo pode ser difícil. Mas essa busca vale o esforço. Às vezes, mudar de bairro, de cidade ou ajustar o orçamento familiar vale a pena para oferecer aos filhos um ambiente que valorize sua formação integral. E, mesmo quando a escola não atinge o ideal, pais conscientes e proativos podem fazer a diferença, transformando o espaço escolar em uma extensão de sua missão educativa.

Não deixemos que as coisas acessórias desta vida tirem nossa atenção do essencial, por mais que elas nos pesem: as distâncias, curtas ou longas, os preços, altos ou baixos, os materiais, modernos ou antiquados; tudo isso serve, ou desserve, para o objetivo final, transcendente a este mundo que passa, tudo isso serve ou desserve à educação, que quer dizer ensinar nossos filhos a serem pessoas de verdade, boas de verdade, justas de verdade, que conheçam e amem de verdade. É nisso que um colégio pode ser bom ou mau, e é isso que deve pesar, no fim das contas, na nossa escola e no nosso julgamento.

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