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O 8 de janeiro chocou o país e gerou o sentimento generalizado de reprovação aos excessos dos manifestantes, especificamente às invasões dos prédios do Planalto, Congresso e Supremo, seguidas das depredações de patrimônio público. Passados mais de dois anos, os excessos das punições impostas pelo governo Lula e pelo STF geram o sentimento contrário, de solidariedade aos manifestantes.
O caso mais emblemático é o de Débora Santos. Ela estava na Praça dos Três Poderes. Na ocasião, escalou a estátua da deusa da Justiça em frente ao prédio do STF e, com batom, escreveu “perdeu mané”. Sua participação limitou-se à presença física no local e a este ato. Em março de 2023, após ter sido identificada, foi presa preventivamente. Ficou presa sem ser denunciada até julho de 2024, em uma violação flagrante da lei processual, pois após a prisão cautelar a denúncia se impõe no prazo de 45 dias. Após a instrução do feito, o julgamento foi iniciado no STF, tendo o ministro Alexandre de Moraes fixado a pena, em seu voto, de 14 anos de prisão. A repercussão da severidade da sanção proposta na imprensa e na sociedade motivaram o ministro Luiz Fux a pedir vistas do processo. O julgamento ainda será concluído.
Ainda há muitas “Déboras” condenadas e presas com excessos; o Brasil precisa de justiça e de um pouco de misericórdia
A pena sugerida a Débora não é a maior já imposta a um dos manifestantes do 8 de janeiro. Já houve quem, a exemplo de Maria de Fátima Mendonça, tenha sido condenado a 17 anos de prisão. Aqui temos de ser claros no posicionamento: os manifestantes do 8 de janeiro devem ser punidos, mas sem exageros ilegais. Ainda que desejassem com seus atos provocar um golpe de Estado, é evidente que não tinham condições reais de fazê-lo. Agiram como uma turba descontrolada, movidos por violenta emoção, e se excederam – com parte deles invadindo prédios públicos e uma parte ainda menor destruindo patrimônio público. Mesmo considerando a narrativa da denúncia de que o 8 de janeiro representava parte de um plano maior de golpe – o que não está provado –, os manifestantes seriam, nessa hipótese massa de manobra de outras pessoas, tendo, portanto, participação de menor importância.
Visitei alguns dos manifestantes presos. Pude constatar que são pessoas simples, que apenas se excederam em um momento infeliz. Mesmo assim, têm sido condenados às centenas, em julgamentos padronizados, sem individualização da conduta. Punidos duplamente por tentativa de golpe e por tentativa de abolição do Estado de Direito, quando a melhor interpretação da lei aponta que haveria, mesmo considerando a narrativa da denúncia, somente um dos crimes, o de maior gravidade, absorvendo o outro. Na fixação das penas, a causa de diminuição de penas prevista no artigo 29, §1.º do Código Penal, consistente na participação de menor importância, tem sido ignorada.
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Essas ilegalidades têm levado a penas excessivas. É certo que, com os benefícios de progressão de regime, não seriam 17 ou 14 anos de prisão em regime fechado. Ainda assim, manter esses manifestantes presos em regime fechado por 2 ou 3 anos já é um manifesto exagero. Quando a severidade é contrastada com o tratamento leniente concedido pelo STF aos condenados pela Lava Jato, com sucessivas anulações de sentenças por fantasiosas violações processuais, o contraste é ainda mais gritante.
O Brasil não quer jogar Débora na prisão por 14 anos enquanto assiste à impunidade de Sergio Cabral – que, confesso, roubou metade do Rio de Janeiro –, livre e posando de influenciador em piscinas de luxo. A indignação da população brasileira levou à concessão do benefício da prisão domiciliar para Débora, o que é um passo positivo, mas insuficiente. O movimento em prol da anistia dos manifestantes do 8 de janeiro ganhou força. Parte do STF sinalizou o desejo de rever as penas excessivas. Veremos os desdobramentos. Ainda há muitas “Déboras” condenadas e presas com excessos; o Brasil precisa de justiça e de um pouco de misericórdia.
Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos




