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O STF finalizou o julgamento sobre o artigo 19 do Marco Civil da Internet. Em síntese, invadiu competência legislativa ao elencar novas exceções ao regime de responsabilidade ali previsto, e colocou em risco a liberdade de expressão ao utilizar conceitos vagos para restringi-la. As redes, agora, poderão ser responsabilizadas civilmente por postagens mesmo antes de receberem notificação judicial.
Se deveres de supressão de conteúdos facilmente identificáveis, como pornografia infanto-juvenil ou instigação ao suicídio, não envolvem maiores problemas, o mesmo não pode ser dito em relação a postagens “antidemocráticas”. Criticar os governantes ainda é possível? Defender reforma das instituições ainda é viável? E sobre ações mais contundentes, como defender impeachment de presidente da República? Seria possível defender nas redes sociais, atualmente, o impeachment de 2016 contra Dilma Rousseff, ou a postagem seria considerada instigação a golpe de Estado? Lembremos que até hoje Lula e o PT insistem que o impeachment da ex-presidente teria sido um golpe.
A impressão que se tem é de que o objetivo real do julgamento é impor às plataformas o dever de restringir a publicação de críticas mais contundentes contra o STF ou contra o governo Lula
Ao fim do julgamento, o que mais chamou a atenção foi a argumentação da ministra Cármen Lúcia, que, após condenar a censura como inconstitucional e imoral, decidiu impô-la às redes sociais responsabilizando as plataformas pelas postagens de “213 milhões de tiranos”, em uma referência à população brasileira. Apesar da contradição, o argumento é revelador das reais questões envolvidas no julgamento.
A liberdade de expressão incomoda. O debate público é dinâmico e pode envolver críticas veementes contra figuras públicas. Não raramente, pode ainda descambar para ofensas injustificadas contra agentes públicos. As redes sociais potencializaram o debate público. Para o bem e para o mal, deram um espaço para a livre manifestação de todos os seus usuários. Há excessos reprováveis, é certo, mas estes, quando ilícitos, geram a responsabilidade de seus autores. Doutro lado, o STF passa por uma crise de popularidade, como foi evidenciado por recente pesquisa do Datafolha, com 58% dos brasileiros afirmando terem vergonha dos ministros.
Juntando isso tudo, a impressão que se tem é de que o objetivo real do julgamento é impor às plataformas o dever de restringir a publicação de críticas mais contundentes contra o STF ou contra o governo Lula, ou de propostas de ações mais drásticas contra ministros ou contra o presidente, como, por exemplo, o impeachment.
Se assim for, o melhor caminho seria o STF retornar ao leito da normalidade, valorizando as virtudes passivas da jurisdição constitucional. Adotar interpretações da Constituição mais vinculadas ao texto, recusar decidir sobre questões eminentemente políticas e aplicar rigorosamente a lei em casos penais envolvendo corrupção. Essas medidas teriam um efeito muito mais eficaz para reduzir críticas e ações contra o STF do que limitar a liberdade de expressão nas redes sociais.
A ilustrar, os três votos vencidos no julgamento, dos ministros Edson Fachin, André Mendonça e Nunes Marques, foram elogiados nas redes e na imprensa. A história ensina, ademais, que reprimir a opinião nem sempre é medida efetiva e pode gerar o efeito contrário. A liberdade, quando reprimida, tende a revidar.
Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos




