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Um dos resultados da obstrução promovida pela oposição aos trabalhos do Congresso foi a volta à agenda legislativa do debate sobre o fim do foro privilegiado.
A percepção pública sobre o foro privilegiado alterou-se no tempo. Quando da absolvição, em 1994, do presidente Fernando Collor no esquema PC Farias, o foro privilegiado tornou-se sinônimo de impunidade. Na época do julgamento do mensalão, em 2012, os denunciados tentaram, sem sucesso, promover o envio do processo à primeira instância, pois anteviam a condenação por um STF liderado pelo ministro Joaquim Barbosa. Com as condenações supervenientes, o foro privilegiado deixou de ser visto como causa de impunidade.
Durante a Lava Jato, a percepção foi alterada novamente. A quantidade e a celeridade das condenações e prisões impostas em primeira instância contrastaram com a atuação tímida do STF nos processos de sua competência originária. Os investigados e denunciados buscavam fugir do foro de Curitiba. Lula foi julgado e condenado sem foro privilegiado. Frases populares como “sem foro é Moro” ilustraram a opinião do tempo.
Sempre fui contra o foro privilegiado, causa ou de impunidade ou de perseguição política. Trata-se de um privilégio ou de uma maldição, a depender da perspectiva
Mais recentemente, os excessos cometidos pelo STF contra os acusados pelas manifestações do 8 de janeiro, bem como contra o ex-presidente Jair Bolsonaro, geraram a percepção de que o foro privilegiado é causa de perseguição política. Rigorosamente, esses processos nem sequer deveriam estar sendo julgados perante o STF, pois nenhum desses acusados tem cargo que gera a competência originária do Supremo. Lula, como ex-presidente, foi julgado e processado na primeira instância. O STF alterou, no ano passado, sua jurisprudência para justificar a sua competência para processar e julgar ex-presidentes, no que pareceu ser uma manobra de ocasião para alcançar Bolsonaro.
Em 2017, o Senado aprovou por ampla maioria (75 votos) a PEC 10/2013, que eliminou quase que totalmente o foro privilegiado, mantendo o tratamento especial somente para os presidentes dos três poderes. Infelizmente, a PEC teve tramitação lenta e ainda aguarda deliberação da Câmara dos Deputados. A recente imposição de medidas cautelares arbitrárias ao senador Marcos do Val por decisão monocrática de um ministro do STF reativou o debate.
Da minha parte, sempre fui contra o foro privilegiado, causa ou de impunidade ou de perseguição política. Trata-se de um privilégio ou de uma maldição, a depender da perspectiva. De todo modo, não se justifica conceder ao agente político ou público um foro diferente daquele concedido a todo e qualquer cidadão. Ademais, o foro privilegiado pode gerar uma relação pouco saudável entre o Congresso e o STF, na qual o jogo de influências e intimidações pode contar mais do que o direito e os fatos. A eliminação do foro privilegiado pode, ainda, ajudar a despolitizar o STF, concentrando a atuação deste nas questões constitucionais.
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Dentre as propostas em discussão, cogita-se atribuir a competência para processar e julgar congressistas aos Tribunais Regionais Federais e não à primeira instância. A segunda opção é a mais apropriada, mas admito que a primeira não consiste em um grande problema, já que os tribunais federais, integrados majoritariamente por magistrados de carreira, têm condições de proferir julgamentos técnicos.
Discordo, porém, da criação de qualquer proteção ou privilégio adicional. Faço essa ponderação, pois surgiram notícias na imprensa de que se cogita alterar o texto constitucional para que a abertura de investigação contra um congressista seja condicionada à autorização da Casa respectiva. Atualmente, o Senado ou a Câmara podem, sim, obstaculizar, por maioria, o prosseguimento de ação penal contra parlamentar, o que é um instrumento útil para impedir perseguições políticas. Condicionar, porém, o início da investigação ao aval do Congresso é um exagero e não funcionaria, pois quebraria o sigilo sobre investigações que, muitas vezes, precisam dele para serem exitosas. Seria uma blindagem injustificável. No entanto, faz-se necessário aguardar as próximas semanas para verificar quais alterações sobre a PEC devem ser, de fato, propostas.
Se os tempos turbulentos trouxerem o fim do foro privilegiado, teremos na prática um avanço republicano e, quem sabe, o primeiro passo para sair da atual crise institucional e moral.
Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos




