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A ROSA DO POETA
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SÉRGIO MARTINS/DIVULGAÇÃO
EM SEU SEXTO DISCO, A CANTORA E COMPOSITORA BAIANA ROSA EMÍLIA PRESTA DELICADO TRIBUTO AO POETA CACASO, COM QUEM FOI CASADA: DISCO TEM PARTICIPAÇÃO DE AMIGOS COMO SUELI COSTA, NELSON ÂNGELO, OLÍVIA BYINGTON E ZÉ RENATO

A delicadeza atravessa o tributo, porém a intimidade natural com a obra promove cores eficazes. É Rosa da cor da Bahia. Ou melhor, Rosa Emília quem reverencia o poeta e também um dos letristas mais sensíveis da MPB: Antônio Carlos de Britto, ou Cacaso (1944 – 1987), com quem foi casada e viu brotar tantas e muitas e sempre eternas canções.

Daí que “Álbum de retratos”, lançado pela gravadora Lua Music, é belo pela amplidão de sentimentos – tanto de quem canta, como de ajudou a compor e/ ou participa.

Trata-se do sexto disco da cantora e compositora radicada há 20 anos na Itália. O projeto marca dos 65 anos de nascimento de Cacaso, poeta mineiro e um dos expoentes da geração mimeógrafo – suavização do rótulo de poeta marginal. “Álbum de retratos”, gravado no Brasil e Itália, é sobretudo uma confraternização de afins. Não à toa, o subtítulo do disco é “Cacaso, parceiros e canções”.

Rosa Emília reparte emoções e reminiscências com Sueli Costa (piano na inédita “Álbum de retratos”, “Dona doninha” e “Eu te amo”, que Nana Caymmi já havia dado pungente interpretação), Filó Machado (hábil violão em “Perfume de cebola”), Joyce (violão e voz sinuosos em “Beira rio”, um bom resgate), Sérgio Santos (voz e violão em “Fazendeiro do mar”), Olívia Byington (voz e violão em digno dueto), Zé Renato (Voz e violão em “Lua de vintém) e Nelson Ângelo (violão e vocalises com sotaque jazzístico em “Dito e feito” e macia voz em “Deixa o barco rolar”).

“Álbum de retratos” contém 13 faixas. Clássicos como “Lambada de serpente” e “Morena de endoidecer” (ambas com Djavan); “Dentro de mim mora um anjo” e “Face a face” (com Sueli Costa); “Lero-lero” (com Edu Lobo), “Dinheiro em penca” (com Tom Jobim) não entraram no repertório.

Luzes foram jogadas em canções pouco conhecidas das quase 200 pertencentes ao legado poético-musical de Cacaso. Sonoridade mínima: piano e/ou violão como base, leve percussão ali ou acolá. E tudo envolve.

LUCA LORO DI MOTTA/DIVULGAÇÃO
RADICADA HÁ 20 ANOS NA ITÁLIA, ROSA EMÍLIA TESTEMUNHOU O NASCIMENTO DE MUITOS CLÁSSICOS, MAS ESCOLHEU 13 CANÇÕES MENOS CONHECIDAS: “É PRECISO ACREDITAR QUE O PÚBLICO QUEIRA SABER MAIS SOBRE A VASTA OBRA DO CACASO”

Um manto quente de som e letras. “Usei dois critérios para escolher o repertório: o pessoal e o emotivo. É preciso acreditar que o público seja capaz de receber com carinho e que quer saber mais sobre a vasta obra que Cacaso nos deixou”, explica Rosa Emília.

A história de Cacaso e Rosa Emília começou a se esboçar em Salvador, onde ela cantava e escrevia poesias. Foi num encontro de intelectuais, críticos literários e poetas – capital baiana – que ambos se compreenderam “Cacaso me deu seu livrinho, `Na corda bamba, escreveu seu endereço e me deu o número de telefone do Rio de Janeiro. Em troca, pediu meu número e me disse: `posso te ligar daqui a 15 minutos´. Morri de rir e ele ligou”, recorda a artista.

Um ano de namoro, muitas idas e vindas de Salvador ao Rio de Janeiro. Um casamento de seis anos. Ela foi eleita a Rosa do poeta. Moça de timbre macio, beleza e sotaques brasileiro ainda firmes.

Os 65 anos de Cacaso foram celebrados num projeto denominado “Música e Poesia, idealizado por Rosa Emília e Sérgio Bacelar, para os Centros Culturais do Banco do Brasil do Rio de Janeiro e Brasília. Dois meses de apresentação.

Cacaso deixou sua marca também em sete livros publicados, ensaios de crítica, manuscritos de peças teatrais e diários. Na voz de Rosa Emília, a poesia musicada ganha contornos inimagináveis. “Álbum de retratos” é para quem tem alma grande.

A seguir, fragmentos da entrevista que Rosa Emília concedeu ao blog Sintonia Musical. A conversa na íntegra, bem como faixas do disco, pode ser conferida em www.myspace.com/rosaemilia2

Nenhum clássico foi selecionado para o disco. Foi para jogar luz a canções menos conhecidas?

Claro que era, mas não somente por isso. O Cacaso precisa ser descoberto. Ele deixou um baú de coisas maravilhosas para serem cantadas. Seria necessário gravar o Cacaso em vários volumes para dar luz às pérolas preciosas que ele deixou. O meu interesse é que as pessoas conheçam tudo o que o Cacaso fez e não somente uma parte da sua obra. Acho que teria sido fácil associar um disco dedicado ao Cacaso, feito somente com canções conhecidas, com o pretexto de veicular melhor o meu CD comercialmente. Mas é preciso ousar mais, acreditar que o público seja capaz de receber com carinho e que quer saber mais sobre a vasta obra que o Cacaso nos deixou.

Rosa, você está radicada na Itália. Deixar o Brasil foi uma maneira para seu trabalho ganhar mais visibilidade ou teve outro motivo? Como é sua rotina profissional?

Um dos motivos que me levaram a morar fora do Brasil foi a perda do Cacaso. Ao contrário do que possam imaginar, escolhi o caminho mais tortuoso para continuar a minha carreira. Para a imprensa mais desatenciosa parecia que eu tinha começado a cantar porque o Cacaso tinha morrido; cansei de ficar explicando para os jornalistas que já cantava antes de conhecê-lo. O rótulo de viúva do Cacaso aos 23 anos era muito pesado para mim. Precisei me afirmar como cantora aqui fora para poder voltar a cantar o Cacaso. Não acho que ter morado 20 anos fora do Brasil tenha me dado grande visibilidade ou dado qualquer outro tipo de vantagem. Pelo contrário. Tive que começar do começo e fazer o meu nome sozinha, com duas filhas pequenas para criar. Trabalho todos os dias produzindo e promovendo o meu trabalho de cantora. A maior parte do meu tempo é dedicada a isso. Quando, finalmente, chego aos palcos, parece até que estou de férias. O show é a parte que mais gosto do meu trabalho. Atualmente cuido do lançamento de “Álbum de Retratos” aqui na Itália. Voltei do Brasil onde passei dois meses produzindo, dirigindo, e cantando no show “Cacaso – Música e Poesia” idealizado por mim e por Sergio Bacelar para os CCBBs do Rio e de Brasília. Cacaso completaria 65 anos em março deste ano e fizemos uma grande festa para ele.

Reprodução
ANTONIO CARLOS DE BRITO, CACASO (1944-1987), DEIXOU CERCA DE 200 CANÇÕES, ALÉM DE LIVROS E ATÉ MANUSCRITOS DE PEÇAS TEATRAIS: EXPOENTE DE UMA GERAÇÃO

Você vivia de poesia e canto em Salvador, certo? Como você se manifesta melhor: na palavra escrita ou cantada?

Em Salvador, cantava com um grupo amador e trabalhava de vez em quando gravando jingles para a publicidade local. Além disso, fazia parte da Cooperativa de Poetas e Escritores fundada por mim e alguns amigos da cidade. Vivia entre a música, a poesia e a política. O meu primeiro salário foi cantando jingles em Salvador onde ganhava algum dinheirinho, mas a poesia nunca me deu dinheiro (pensando bem, a musica também não). Aliás, a poesia era um pretexto para fazer farra (risos). A importância das letras no meu trabalho é fundamental. Aposto tudo quando canto aquilo que digo, numa boa letra. Não sou uma poetisa, nunca pretendi ser. Somente escrevo algumas letras para as minhas canções.

Como você enxerga o Brasil atualmente? Demos passos adiante? O que nos falta, Rosa?

O Brasil é um país maravilhoso, cheio de artistas incríveis. Fiquei impressionada como a MPB tem pouco espaço no Brasil. Acho que é preciso encontrar mais espaço para a MPB por aí. É muito mais fácil encontrar artistas como a Joyce, a Rosa Passos e Ivan Lins aqui na Europa do que no Brasil. Nelson Ângelo e Sueli Costa ninguém ouve cantar… Acho falta democratizar mais o espaço musical para todos os gêneros músicas. Há de haver mais lugares para todos nas rádios, nas televisões e nos teatros. Não existe somente a axé music, música sertaneja, pagodes de péssima qualidade e conteúdo que estamos todos cansados de ouvir. Não posso acreditar que o público queira somente isso, seria o fim. Por outro lado, o Brasil dá, através do Ministério da Cultura, a possibilidade de apresentar projetos às empresas que podem patrociná-los e promovê-los. Isso não existe aqui na Itália. Sei que os brasileiros que moram no Brasil não pensam assim. Aqui não tem moleza. Palmas para o Brasil.

LUCA LORO DI MOTTA/DIVULGAÇÃO
ROSA EMÍLIA A RESPEITO DA MPB::”NÃO EXISTE SOMENTE A AXÉ MUSIC, MÚSICA SERTANEJA, PAGODES DE PÉSSIMA QUALIDADE E CONTEÚDO QUE ESTAMOS TODOS CANSADOS DE OUVIR. NÃO POSSO ACREDITAR QUE O PÚBLICO QUEIRA SOMENTE ISSO”

REPERTÓRIO

* Triste Baia da Guanabara (Novelli-Cacaso)

* Clarão (Olívia Byington-Cacaso)

* Álbum de retratos (Sueli Costa-Cacaso)

Reprodução

* Perfume de cebola (Filó Machado – Cacaso)

* Cavalo marinho (Nando Carneiro- Cacaso)

* Dito e feito (Nelson Ângelo -Cacaso)

* Eu te amo (Sueli Costa – Cacaso)

* Fazendeiro do mar (Sérgio Santos-Cacaso)

* Beira rio (Joyce- Cacaso)

*Dona doninha (Sueli Costa – Cacaso)

* Deixa o barraco rolar (Nelson Ângelo- Cacaso – Rosa Emília)

* Agradecer (Sueli Costa -Cacaso)

* Lua de vintém (Zé Renato- Cacaso)

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Algum comentário a respeito do disco de Rosa Emília ou sobre o legado poético-musical de Cacaso? Espaço aberto
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