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Onde vivem os monstros?
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Divulgação

Não gosto de falar de filmes por aqui. Minha visão de um bom longa-metragem normalmente não casa com a da maioria dos leitores deste espaço. Se não gosto de algum filme trato logo de fazer um texto curto só para deixar registrado. As justificativas nunca chegam ao teclado, pois, confesso, tenho uma preguiça enorme para tentar dar algum sentido em algo que posso resumir com um simples “nojento”. Mas tenho meus motivos, apesar de morrerem em minha cabeça.

Mesmo assim insisto em quebrar a barreira do meu estado de prostração para dar ao mundo pílulas de sabedoria. E hoje, a pedido de alguns leitores, falo de um filme que, se não é dos melhores já feitos – e não é, pelo menos transpira honestidade.

Com 99% do filme completado já tinha certeza de que “Onde Vivem os Monstros”, de Spike Jonze, era um erro. Diálogos bestas sobre as tratativas sentimentais de um garoto que passa a perceber, com a invasão de um estranho, que não é mais o centro do universo. A mãe do garoto tenta colocá-lo nos eixos para dedicar alguns bons minutos ao namorado. Se é que vocês me entendem. Eis que o menino maluquinho surta, foge de casa e acaba num mundo de bichos de pelúcia gigantes e falantes. Cada um dos novos amigos, como todas as críticas já disseram, é a representação explícita de diversos sentimentos. Ou pelo menos a forma como ele entende cada sentimento.

O filme é baseado no livro de Maurice Sendak, de 1963, que se lê em menos de cinco minutos. Na tentativa de ter um padrão comercial, algo entre uma e duas horas de duração, o diretor esticou tudo o que poderia e não devia e acabou exagerando na receita. Como disse, até quase no final tinha a certeza de ser um erro do diretor queridinho da crítica. O final me mostrou que estava errado.

Este é o tipo de cinema que fica na memória. É muito mais de sensações e emoções do que uma análise técnica poderia abranger. Por isso, é complicado dizer porque dá tão certo. Talvez a trilha sonora pra lá de pegajosa tenha uma boa parcela de culpa. Ouvir trechos de algumas músicas de Karen O., vocalista do Yeah Yeah Yeahs, com mais um grupo de pirralhos te faz lembrar como é triste o estado em que a música se encontra. No qual é necessário tirar de uma soundtrack um dos melhores álbuns dos últimos meses. Escutando separando, contudo, as canções não se mostram tão potentes. Mas isso é assunto para outro post.

“Onde Vivem os Monstros” é basicamente tato, um dos sentidos mais aguçados dos pequenos. Todos que já observaram crianças conseguem imaginar o que quero dizer. Elas se tocam o tempo inteiro, se jogam, pulam umas sobre as outras. Se batem com o que tiver nas mãos. Querem colo. O carinho, ainda descalibrado, quase sempre vem acompanhado de uma dedada no olho. Uma brincadeira muitas vezes pode terminar com uma pisada em partes mais sensíveis. As crianças aprendem com o outro mais quando tocam do que quando escutam ou observam. Amor é sinônimo de carinho. Não bastar falar que ama, tem que beijar, abraçar e dar umas palmadas.

Spike Jonze consegue transpor a sensação do tato através da tela. É o menino tocando o gelo. Um monstro se jogando contra árvores, tomando uma rasteira, furando um tronco. Comemora-se com tapas. A felicidade do protagonista é expressada ao se jogar contra um amigo peludo. As brincadeiras são arremessos carinhosos de bolas de fezes. Um sono ideal chega após todos se empilharem, uns sobre os outros. A trilha reforça a ideia de toque. Em determinado momento de alvoroço, tambores rufam incessantemente. Tem instrumento que se toca com mais força? Em outra parte, a ação se desenrola com batidas de palmas. Toque com toque. A redundância do tato está em cada cena.

A formação do indivíduo, na tese do filme, é feita de empurrões. O corte do cordão umbilical, o fim da amamentação, as primeiras quedas para se andar e outros tropeços. O título em inglês, “Where the Wild Things Are”, é um pouco mais claro: uma história sobre a selvageria de se tornar alguém.

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