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Da coluna Acordes Locais, publicada nesta quarta-feira (26/11) no Caderno G da Gazeta do Povo:

A Guerra da Cultura em Curitiba

O caro e raro leitor talvez não saiba, mas está ocorrendo uma guerra cultural em Curitiba. Neste fim de 2014, um grupo de artistas e produtores reuniu-se sob o nome de Frente Acorda Cultura Curitiba e lançou um manifesto com críticas à gestão cultural da cidade e pedindo uma audiência pública com o prefeito Gustavo Fruet. A partir daí foram várias batalhas deflagradas. A Fundação Cultural de Curitiba respondeu em nota oficial, o presidente da FCC, Marcos Cordiolli, um dos alvos das críticas, deu uma entrevista a esta Gazeta defendendo-se e admitindo que “superestimou sua capacidade de ação”. A Frente fez uma nova investida e rebateu alguns pontos da entrevista. Quem quiser se aprofundar ver aqui abaixo, neste blog Sobretudo, para acessar os vários capítulos da história toda.

Não tenho espaço aqui para explicar tudo o que está acontecendo, mas faço algumas reflexões sobre o “momento cultural” de Curitiba e desde já apoio integralmente o pedido para que haja uma audiência pública entre o prefeito Gustavo Fruet e a Frente Acorda Cultura Curitiba, o quanto antes para que se inicie uma “conferência de paz” e sejam assumidos compromissos reais pautadas pelas necessidades e reivindicações dos artistas e produtores culturais da cidade.

Aproveito para apontar alguns problemas que o público não conhece.

Fachada do Conservatório de Música Brasileira de Curitiba - Foto de Felipe Rosa

Fachada do Conservatório de Música Brasileira de Curitiba – Foto de Felipe Rosa

Pagamentos atrasados – Os profissionais dos grupos estáveis das áreas de música do município, que recebem seus pagamento através do Instituto Curitiba de Arte e Cultura (Icac – uma organização social que executa as políticas para a área de música da cidade), estão há três meses sem receber seus vencimentos. O Icac hoje administra a Camerata Antiqua de Curitiba e os seus desdobramentos em Coro e Orquestra, o Conservatório de Música Popular Brasileira de Curitiba, a Orquestra À Base de Sopro, a Orquestra À Base de Corda, o Vocal Brasileirão e o Coral Brasileirinho, além de todas as atividades realizadas por esses grupos. Também é o responsável pelas séries Terça Brasileira no Paiol e Domingo Onze e Meia.

Sem papel higiênico – Algumas unidades da Fundação Cultural de Curitiba não estão recebendo suprimentos como material de limpeza e até papel higiênico. Nestas unidades os próprios funcionários fazem uma “vaquinha” para comprar o que precisam.

Diagnóstico incompleto e irreal? – Em sua entrevista para a Gazeta do Povo, o presidente da Fundação Cultural de Curitiba, Marcos Cordiolli afirmou: “Quando assumimos a FCC recebemos um diagnóstico incompleto e irreal sobre vários aspectos da gestão. Isso nos levou a superdimensionar nossas capacidades de atuação. Se há um mea culpa que devemos fazer é o de que superestimamos nossa capacidade de realização em função das dificuldades que de fato encontramos.”

A afirmação é contestada pelos funcionários da Fundação Cultural que participaram da elaboração dos relatórios de diagnósticos de todas as áreas da FCC. Segundo eles, não seria de interesse dos próprios funcionários esconder a situação precária em que já viviam (há que se reconhecer que o desinteresse dos prefeitos pela gestão cultural de Curitiba não vem de agora). Os problemas foram expostos nos relatórios que, ou não foram lidos pelo atual presidente da FCC, ou, se lidos, a esses não foi dada a devida atenção.

Cultura não é evento – Cultura é um processo, não um evento. A cultura não é eventual, é feita e vivida diariamente e não só por artistas. Precisa fluir constante como um rio. Se há seca, o rio mingua e a água deixa de aparecer na torneira. Se o caro e raro leitor está lendo este jornal agora, seja no papel ou pela internet, esse é um processo cultural que o distingue de quem não o lê (aqui, sem julgamento de valores, por favor, apenas explicando o processo).

Quando um artista se apresenta ao público, está mostrando o resultado de um processo que se inicia muito antes. O público que convive com o ato ou o produto final está ele próprio a consumir e a fazer e reproduzir cultura. Quando se vai ao teatro, se lê um livro, ou escuta um disco, ou vai a um bar conversar com amigos, quando estamos no local de trabalho, quando nos vestimos, quando fazemos sexo, quando pegamos o ônibus ou o carro, tudo isso é um processo cultural.

O artista pode ser (não necessariamente, mas quase sempre) um tradutor, explicador, reprodutor, ou contestador desse processo.

Mas isso tudo é filosofia de botequim. O que interessa na discussão sobre a cultura de Curitiba é menos quem tem razão, do que a própria discussão. Estava tudo muito parado nesta cidade (como me disse um poeta na abertura da Litercultura). Portanto, espero que a reflexão leve a alguma atitude e não deixe tudo como está. Para isso, é fundamental que o prefeito Gustavo Fruet se mexa, faça alguma coisa, começando por receber os representantes da Frente Acorda Cultura Curitiba e junto com eles elabore mais do que só promessas.

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