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Otavio Linhares em auto-retrato facebookiano
Otavio Linhares em auto-retrato facebookiano| Foto:

este texto não terá maiúsculas nem vírgulas. é assim que eu quero para mostrar como é parte da escritura de otavio linhares no livro o esculpidor de nuvens (curitiba. 2015 – encrenca literatura de invenção). sem vírgulas e maiúsculas. linhares embola a leitura assim como embola as características da linguagem prosaica com a poética. também embola os gêneros literários. o livro é dividido em duas partes. na primeira tem “o esculpidor de nuvens”. é uma voz mais infantil. não no texto ou na maneira de escrever. o que o personagem conta nos leva a crer nisso. o segundo é “o cão mentecapto”. com relatos de um voyeur urbano com problemas sexuais freudianos (quem não os têm?).

é um livro de contos. é um romance. é uma obra de poesia em prosa. é uma novela. são duas novelas. são dois romances curtos. são dois contos longos. são e não são. é e não é.

a literatura moderna vem brincando com esses limites. essas fronteiras de linguagem e gênero literário. é uma encrenca com a qual o leitor tem de saber lidar. literatura de ficção não é para explicar nada. nem dar discursos.

Otavio Linhares em auto-retrato facebookiano

Otavio Linhares em auto-retrato facebookiano

o livro trata de memória. de reflexões. de atitudes. de indagações. acertos e desacertos. trata do cotidiano passado. cotidiano presente. cotidiano inventado. sonhado. imaginado. o que é e o que poderia ter sido. ou não. é uma colagem de textos que montam uma paisagem literária própria que se descola da realidade. mas é uma realidade possível. que não precisa de explicações. epifania. é o que diz o texto de apresentação de roberto alvim.

livro teatral. porque linhares também é do teatro. sua escrita sabe como ser dita da boca pra fora. a literatura dele tem voz e fala. ao contrário da sua personagem primeira que diz: “quero conseguir falar. alguma coisa”. ele e a literatura dele conseguem. e é direto. fala na lata. persegue ensinamentos (ou desejos de escritura) que ele mesmo escreve em um dos textos. justamente aquele chamado de “o impossível”:

“comece do começo. não se perca em fábulas e vozes. e não se atreva a me labirintar entre corredores escuros e sombrios. não crie tabelas. não reverencie. não se emocione nem queira emocionar. não aumente as coisas querendo me dar dribles fantásticos e pulos duplos e triplos no ar. nem tente me tirar o foco. me conte só o que você viu. sem dar nomes, sem dar voz às coisas inanimadas. sem essa coisa de ver o invisível. pare com isso. vamos aqui. papo reto. pá pum!”.

o autor também dá dribles. tira o foco. vê o invisível. o livro. as histórias que compõem o livro. a trama é várias (são? confuso? é!). é uma fuga e um reencontro. é imaginação real. o cotidiano que nos preenche. nos sufoca. nos escapa. porque não sabemos olhar. não sabemos contar. não sabemos.

“tô indo! queria que o cotidiano não nos estragasse tanto”. diz ele na página 75. “e começar mais um dia pode ser pior do que morrer”. completa em outro texto. na página 78. entre essas duas há ainda um outro texto. de uma só frase. chamado “a memória”. ele diz assim: “a memória é um chute no saco que dura a vida inteira”.

o livro. eu já disse isso aqui. é feito de pequenos textos. eles não têm uma sequência lógica. o leitor que monte o que quiser na sua cabeça. que complemente. que emende. que costure. que imagine. e há alguns textos que são totalmente descolados de tudo. imagino eu. há textos com dedicatória. há até poemas. como esse aqui assim:

o menino

apreendo palavras como quem tange o infinito.
o louco. o cego. o bailarino.

um menino.
que ainda sabe o gosto da chuva.
mesmo com o abismo sob seus pés.

nós. leitores. todos nós. temos de apreender. e deleitar. mesmo sobre o abismo. e isso o otavio linhares nos ensina. apreendemos enquanto nos equilibramos. mesmo que ele não queira ensinar nada. não é trabalho dele. o que ele quer? talvez. quer que a gente lembre o gosto da chuva. talvez. ele não sabe. não se pretende. mas pode ser um pedagogo literário. e como ele mesmo diz em um de seus textos. “e a pedagogia comendo solta. a pedagogia é uma mãe prostituta insana de açoite na mão.”

 

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