• Carregando...
No presente, drones, aplicativos e tecnologias como big data já são realidade. Mas a inovação digital irá muito além disso. (Foto: Bigstock)
No presente, drones, aplicativos e tecnologias como big data já são realidade. Mas a inovação digital irá muito além disso. (Foto: Bigstock)| Foto:

Um dos temas mais discutidos hoje em fóruns internacionais é como alimentar a crescente população mundial, que deve chegar a 9,6 bilhões de pessoas em 2050. Especialistas avaliam que, para isso, e para eliminar a fome no mundo, será necessário dobrar ou até triplicar a produção de alimentos.

O número de pessoas que atualmente passam fome assusta: a ONU estima que uma em cada oito pessoas não têm o que comer. O Relatório Global sobre as Crises Alimentares (Global Report on Food Crises, disponível em inglês), elaborado por diversas agências humanitárias e de desenvolvimento, analisou dados de 53 países que sofreram crises alimentares em 2018, atingindo centenas de milhões de pessoas. O estudo aponta que os principais fatores que contribuíram com as situações de fome foram os conflitos e a insegurança, a mudança climática e as turbulências econômicas. O mapa da fome construído pelo estudo mostra que a África concentrou 58% das pessoas atingias, seguida pelo Oriente Médio, que foi responsável por 24%, e pelo Sul e Sudeste da Ásia, com 13%. A Venezuela e a Coreia do Norte não foram estudadas por falta de acesso a dados confiáveis.

A crescente urbanização agrava a situação de acesso a alimentos. Especialistas estimam que hoje, cerca de 50% das 7,6 bilhões de pessoas do Planeta moram em cidades. Em 2050, esse número deve chegar a 70%. Na América Latina, esse percentual hoje já é maior, de cerca de 80%.

LEIA TAMBÉM: Com quase 200 startups, Brasil pode brigar por protagonismo na agricultura 4.0

A escassez de terras agricultáveis na maioria dos grandes países populosos (o que felizmente não é o caso do Brasil) e as restrições ao uso de água e de energia estão levando a uma grande transformação da agricultura global. Essa transformação é impulsionada pelas novas tecnologias e pela transferência de uma parte da produção de alimentos para áreas urbanas e próximas a perímetros urbanos, conforme mostra um recente estudo, publicado pela Global Federation of Competitiveness Councils – GFCC (Federação Global de Conselhos de Competitividade), sediada aqui em Washington.

O relatório “Conectando Fazenda, Cidade e Tecnologia” (“Connecting Farm, City and Technology“, disponível em inglês) foi elaborado pelos pesquisadores americanos Fred Davis e Banning Garret e mostra como a tecnologia poderia ajudar os países em desenvolvimento, onde será concentrado o maior crescimento populacional nas próximas décadas.

A tecnologia de produção agrícola permite produzir alguns alimentos, como verduras e legumes, em grande escala em áreas urbanas: em “fazendas verticais” e “aero-fazendas”, com o uso de luz de LED e gotejamento. Ao mesmo tempo, plataformas digitais democratizam o acesso ao conhecimento e à tecnologia agropecuária.

Estima-se que hoje cerca de 70% das pessoas do planeta têm o seu próprio telefone celular ou possuem um acesso barato a um aparelho. O Facebook estima que cerca de um bilhão de pessoas que moram em países em desenvolvimento usam a plataforma. Apenas na Índia, são 300 milhões de pessoas.

Esse grande acesso a internet e a plataformas digitais através de aparelhos de celular possibilitou o ingresso na economia de muitas pessoas antes deixadas de escanteio. Por meio de celulares, até as pessoas analfabetas ou semianalfabetas podem acessar um amplo volume de informações através de áudios e vídeos. Vários aplicativos possibilitam a aprendizagem sobre as melhores práticas e as tecnologias modernas de produção agropecuária, ensinando os agricultores e pecuaristas, de maneira bem fácil, a produzir alimentos com eficiência.

Muitos além de drones e tablets

O sistema de pagamentos móveis, através dos aparelhos celulares, juntamente com as plataformas digitais, possibilitou o compartilhamento de máquinas, implementos e insumos agropecuários. Ainda em 2014, na Nigéria, foi desenvolvido um aplicativo que se assemelha a um “Uber” de tratores, chamado “Hello Tractor”, que depois se espalhou por outros países da África.

O Hello Tractor usa “tratores inteligentes”, conectados à nuvem, com GPS e chip de telefonia móvel, para um monitoramento remoto. No Brasil (em Minas Gerais), foi implementado um aplicativo semelhante − o Alluagro − que oferece o serviço de aluguel de máquinas e implementos agrícolas através de geolocalização.

Além de possibilitar o acesso a máquinas agrícolas em propriedades pequenas e por um custo bem reduzido, permitindo aumentar a produtividade e a escala de produção, a tecnologia blockchain viabilizou o ingresso na economia de pessoas sem documentos ou sem acesso a crédito e serviços bancários. Por meio de um celular que colhe impressões digitais, essas pessoas conseguem solicitar serviços, efetuar pagamentos e obter microcrédito.

Há outros aplicativos de celular, como por exemplo o Plantix (muito comum na Índia), que usam a inteligência artificial e algoritmos de machine learning  para identificar doenças e pragas e recomendar tratamentos biológicos ou químicos adequados. O agricultor tira uma foto de planta danificada e manda com a localização de GPS através do aplicativo. O sistema processa as imagens, comparando-as com o banco de dados de informações, e dando uma solução, que evita o excesso ou o uso indevido de defensivos agrícolas e otimizando os custos de produção.

As tecnologias de geolocalização, a Internet das Coisas, a inteligência artificial e as tecnologias sensoriais fomentam a agricultura de precisão com um custo bastante reduzido, contribuindo com a sustentabilidade, proteção ambiental e combate a desperdícios.

Com relação aos desperdícios, há ainda muito a ser feito. Hoje, cerca de um terço de todos os alimentos são jogados no lixo (saiba mais neste meu artigo sobre o tema). Estima-se que esse volume desperdiçado poderia alimentar um adicional de 2 bilhões de pessoas por ano. Complementando as políticas públicas e o esforço do setor privado para combater os desperdícios de alimentos, está avançando a implementação de tecnologia de impressão em 3D para a produção de comida.

LEIA TAMBÉM: Thiago de Aragão – Negociação entre Estados Unidos e China ganha uma nova dinâmica

As frutas e legumes “feios”, que normalmente são jogados fora, e os ingredientes alternativos (como, por exemplo, as algas marinhas) podem ser usados na customização de alimentos, através da impressão em 3D, de forma a atender a restrições alimentares ou preferências individuais. Além de maior e melhor aproveitamento dos alimentos, essa tecnologia permite agregar valor na produção.

Cresce a produção de alimentos à base de proteínas e nutrientes de plantas, que visam a substituir a carne e os produtos lácteos (para conhecer melhor esse mercado, sugiro essa minha coluna Alimentos à base de plantas são os “novos orgânicos”). Os especialistas da GFCC estimam que esses alimentos usam 95% menos de terra, 74% menos de água e reduzem consideravelmente a emissão de gases de efeito estufa, se comparado com a atividade pecuária.

A nanotecnologia e os materiais avançados permitem prolongar o tempo de transporte e de venda de alimentos, mantendo o sabor e a qualidade nutricional e também evitando os desperdícios. A Embrapa, por exemplo, desenvolveu uma película biodegradável e comestível que é capaz de prolongar a vida útil dos alimentos frescos e suas características naturais por 40 dias.

As energias renováveis, como a solar e a eólica, são também cada vez mais acessíveis e têm um extenso uso na agricultura. Por último, mas não menos importante, vale mencionar a ampla utilização da biotecnologia e do melhoramento genético de sementes e de animais, contribuindo para uma maior produtividade agropecuária e para a redução de uso de insumos e defensivos. O Brasil se destaca nessa área pelo excelente trabalho desenvolvido pela Embrapa.

Os pesquisadores da GFCC enfatizaram a importância de ver a agricultura como indústria, uma atividade com sustentabilidade econômica e não apenas de caráter social. Isso ainda é mais importante no contexto da produção em áreas urbanas.

O que o Brasil tem a oferecer para matar a fome do mundo

O Brasil tem uma posição privilegiada no cenário da expansão da agropecuária global. Há uma grande reserva de terras agricultáveis, há possibilidade de aumentar a irrigação, há condições de clima e sol. O país conta, também, com a avançada tecnologia agropecuária e com a grande conectividade.

LEIA TAMBÉM: Dois pequenos países líderes em inovação querem ser parceiros do Brasil

Só que para deslanchar todo nosso potencial, precisamos facilitar o acesso dos pequenos e médios produtores a modernas tecnologias. Para isso, é necessário perder o preconceito contra a importação de produtos e equipamentos que possam disseminar as novas invenções no campo.

Enquanto vários países pensam em distribuir smartphones gratuitamente para a população, para estimular a inserção econômica, o Brasil continua tributando pesadamente os equipamentos eletrônicos em geral. Isso coloca nosso agricultor – principalmente o pequeno e médio – em grande desvantagem em reação ao agricultor indiano, por exemplo. É preciso seriamente pensar em reduzir a carga tributária para esse segmento e para os produtos tecnológicos, não só em relação aos equipamentos – como as impressoras 3D para uso na indústria alimentícia – mas também em relação à contratação de serviços.

No Brasil, tudo ainda é muito difícil! Se um produtor descobre na internet um novo equipamento inventado na Austrália e que seria muito útil no Brasil, não tem como importar: a burocracia é tão grande, e os custos tão altos, que tornam a operação inviável para os pequenos e médios. Da mesma forma, se aparece um serviço inovador, prestado por uma start-up estrangeira, a burocracia para fazer um contrato de câmbio, recolher o imposto de renda retido na fonte (e outros que incidem sobre a operação) e etc. é tão grande que desestimula – isso para não mencionar o próprio custo do câmbio e dos tributos.

Há estimativas de que o Brasil poderia contribuir com 40% do aumento da produção mundial de alimentos até 2050. Isso representa grandes oportunidades para a expansão das exportações agropecuárias do País, principalmente se conseguirmos diversificar os cultivares e as fontes de proteínas. Ao mesmo tempo, à medida que a produção fica mais localizada, próxima a áreas urbanas e aos consumidores, há cada vez mais possibilidades de se inserir na exportação de serviços e de tecnologia agropecuária. Nesse contexto, o Brasil tem muito a oferecer, fazendo o mundo melhor.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]