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A ministra da Agricultura, Tereza Cristina (à esquerda), com as equipes brasileira e europeia durante o anúncio do acordo comercial entre Mercosul e União Europeia.
A ministra da Agricultura, Tereza Cristina (à esquerda), com as equipes brasileira e europeia durante o anúncio do acordo comercial entre Mercosul e União Europeia.| Foto: Heitor Granafei/MRE

Todos os especialistas em comércio internacional que trabalham com o Brasil e outros países do Mercosul ainda estão em clima de euforia por conta da recente assinatura do acordo de livre comércio com a União Europeia.

O texto final deve ser publicado nas próximas semanas. Após a publicação, o acordo precisará ser ratificado pelos parlamentos de todos os países do Mercosul, pelo Parlamento Europeu e pelo Conselho Europeu, e talvez até pelos parlamentos de todos os países da União Europeia (já que há uma pressão política na UE para ter uma análise mais profunda e demorada do documento).

Mas vamos torcer para que o acordo seja ratificado e que entre em vigor num prazo de 2 a 3 anos. A sua assinatura foi um golaço dos governos dos presidentes Bolsonaro e Macri, já que no bloco sul-americano exatamente o Brasil e a Argentina estavam travando as negociações não apenas com a UE, mas com todos os outros países. O Mercosul ficou durante 9 anos sem assinar nenhum novo acordo comercial.

E mesmo os acordos firmados antes de 2010 foram muito pequenos em termos de abertura comercial. A maior economia com quem o Mercosul conseguiu fechar acordo comercial foi a Índia. Mas esse acordo inclui pouquíssimos produtos e prevê alíquota zero de imposto de importação apenas para peles e couros e alguns equipamentos de TI e telecomunicações provenientes do Cone Sul.

Agora, o Mercosul reverteu a tendência e começou a ingressar de verdade no  comércio internacional. Essa reversão é um verdadeiro marco para o nosso setor produtivo. Ela significa não apenas mais oportunidades para exportações de mercadorias e serviços, mas também um maior estímulo à produtividade, competitividade, inovação e atração de novos investimentos.

O acordo é um marco na relação bilateral

O interessante é que mesmo para a UE, que hoje tem acordos de livre comércio com cerca de 70 países ao redor do mundo, o acordo com o Cone Sul é o mais significativo em termos econômicos. O Mercosul e a UE juntos representam 780 milhões de consumidores, muitos deles de renda elevada, e 25% do PIB mundial.

Os ganhos para o Mercosul são enormes. No prazo máximo de 10 anos, a União Europeia zerará tarifas para cerca de 95% das linhas tarifárias, cobrindo 92% do total exportado pelo Mercosul com destino ao bloco europeu. Na área industrial, o acordo prevê a liberação total do mercado europeu.

Já no agronegócio, que é o setor mais sensível para os europeus, 82% das exportações brasileiras terão tarifa zero, algumas de forma imediata e outras no prazo de até 10 anos (suco de laranja, várias frutas, café torrado e solúvel, óleos vegetais, peixes e frutos do mar, fumo, entre outros). O restante terá um maior acesso ao mercado europeu por meio de quotas com tarifa preferencial (carnes, açúcar, etanol, milho, arroz e ovos.

Conforme dados do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento do Brasil, os produtos agropecuários que terão tarifa zero já na entrada em vigor do acordo com a UE representaram vendas de US$ 14 bilhões em 2018 (quase a totalidade foi para a UE).

Um dos maiores ganhos proporcionados pelo acordo foi a administração compartilhada das quotas para produtos agropecuários, o que reduzirá a discricionariedade por parte dos importadores europeus.

É fácil verificar que os ganhos imediatos com a entrada em vigor do acordo serão muito significativos. Além de reduções de barreiras tarifárias e não tarifárias, haverá acesso ao mercado de compras governamentais da União Europeia, que representa cerca de 16% do PIB europeu (conforme estimativa da Comissão Europeia).

Uma das maiores conquistas do acordo é a previsibilidade na relação comercial entre as duas regiões, já que o cenário mundial está cada vez mais instável. Mais um ponto positivo é o compromisso dos países do Cone Sul de permanecer no Acordo de Paris sobre o Clima. A reiteração desse compromisso foi decisiva para a assinatura do acordo comercial.

A importância do capítulo sobre as medidas sanitárias e fitossanitárias

Além desses pontos mais aparentes, eu gostaria de destacar mais um tema que poderá trazer benefícios para o comércio bilateral até mesmo antes da entrada em vigor do acordo. Estou falando sobre o capítulo sobre as medidas sanitárias e fitossanitárias (ou "SPS", em sigla em inglês). Não adianta termos tarifas menores ou quotas maiores se não conseguirmos entrar com nossos produtos agropecuários no mercado europeu.

Um dos casos mais emblemáticos é a carne suína. Até hoje, não conseguimos exportar esse produto muito competitivo para o mercado europeu porque a UE não aceita as garantias que o Brasil apresenta para comprovar a produção de carne de porco sem as substâncias promotoras de crescimento proibidas na UE. A China e a Rússia, que têm as mesmas restrições quanto a essas substâncias, reconhecem as garantias apresentadas pelo Brasil.

O capítulo negociado prevê mais transparência e previsibilidade na adoção de medidas restritivas e o compromisso dos países em retirar as restrições injustificadas do ponto de vista técnico-científico. Há esperança que com o acordo consigamos finalmente abrir o mercado europeu para a carne suína brasileira.

Há anos estávamos buscando um acordo de equivalência de sistemas de defesa agropecuária com um mecanismo mais facilitado de habilitação de estabelecimentos exportadores, por "pré-listagem" (por indicação pelo país exportador, sem uma inspeção prévia). O acordo atual avançou nesse sentido também.

Haverá ainda progresso em outros temas importantes, como o registro de organismos geneticamente modificados, medidas de prevenção de resistência aos antimicrobianos (uso mais consciente de antibióticos na produção animal para evitar a criação de superbactérias), bem-estar animal e limites máximos de resíduos.

Em muitos desses temas a União Europeia estabelece padrões mais elevados, buscando proteger a saúde de seus cidadãos. E acaba influenciando os outros países, tornando os controles sanitários e fitossanitários desses países mais rígidos.

Vale lembrar que exatamente por conta da União Europeia, o Brasil implementou, em 2009, a Plataforma de Gestão Agropecuária (PGA), que oferece um sistema informatizado de rastreabilidade de toda a cadeia produtiva das carnes de bovinos e de búfalos. Hoje, o sistema abrange todo o rebanho bovino brasileiro e monitora todo o trânsito e as vacinações de animais. Para exportar para o mercado europeu, o Brasil implementou um sistema de identificação individual de animais.

Desde 2018, o Brasil tornou obrigatória também a rastreabilidade ao longo da cadeia produtiva de produtos vegetais frescos destinados à alimentação humana, para fins de monitoramento e controle de resíduos de defensivos agrícolas, em todo o território nacional.

A rastreabilidade e os controles reforçados nas áreas sanitária e fitossanitária beneficiam não apenas os mercados para os quais nós exportamos, mas também o mercado interno. Os padrões mais elevados de segurança de alimentos protegem também os cidadãos brasileiros.

A União Europeia teve um papel fundamental no fortalecimento da indústria brasileira de alimentos. Com o acordo de livre comércio e uma relação mais próxima, os ganhos serão ainda maiores.

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