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As Tramóias de José na Cidade Labiríntica
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Em meio a uma crise reflexiva, as tramóias se instalam. Mais como exercício teórico que como murro sentimental. Pensei mais do que vi a peça, isto é fato. Claro que isto se agrava pelos todos arquivos, encartes, fotos e textos que me foram fornecidos logo antes de assistir ao que se queria revelar; claro que por prolixidade minha tão rechaçada que me dói.

Este é um exercício do olhar e meu olhar faz temer pelo que pode ou não pode ser visto. Esta é a delimitação pela qual um espetáculo é responsável: o que pode e o que não pode. E seus limites são curtos, tanto quanto os meus. Mas sempre espero mais, sempre espero que seja a peça da minha vida, meu Godot chegando reluzente, meu grande encontro, meu grande dia, meu desejo corporificado. Sempre esperarei agindo para que este encontro se dê, e geralmente valorizo o trabalho só por sê-lo pleno. Valorizada se sinta, portanto, a Obragem Cia de Teatro.

Medrosa, encontrara o ator durante o monólogo. Acabado o espetáculo, medrosa, encontrei o ator na pequena sala cuja porta se vê ao lado do palco mesmo durante o espetáculo – o camarim. Ele segurava sua filhinha no colo. Aquilo me doeu mais que o espetáculo em si: a vida quotidiana daqueles que fazem arte. As tramóias dos artistas na existência labiríntica me inspiraram a ler mais, não a sentir mais.
Mas lendo sinto e aí muita coisa se desenrola.

Queria ter sido aquela criança no colo, só para não ver a cena que se revelou ao final. Fosse eu, ela, estaria muito ocupada chorando, engatinhando e gritando pela minha mãe. Quem disse que não fiz isso? Qual a cena final? O constrangimento provocado pela minha presença no espaço que, acabado o espetáculo, era íntimo demais, familiar demais. Já acabou, moça, não vai embora? Estou esperando o taxi. Chega logo, chega logo, chega.

Elenize Dezgeninske
O apice do tramoieiro

A diretora e autora do texto enrolando o tapete para guardar o carro no que fora, uma hora e pouco antes, a recepção do teatro. Eu cheguei e formei platéia com o assessor de imprensa e com a iluminadora. Mas o espetáculo se fez sobre nós, mesmo que a terceira pessoa ali não coubesse. Será mesmo que não cabia? Falo do texto, que dizia “nós” quando havia na platéia só uma. Mas havia nós e nós aplaudimos ao final. Pensei que seria injusto evocar a poluição que não destacava o tão lindo texto.

Não queria escrever sobre a dissonância entre o título e a montagem, não depois de ver que os idealizadores daquele espetáculo eram uma família. Não queria falar que acho escasso o recurso da plataforma de ferro; que ele se esgota logo no início e não serve para manter uma hora e pouco de texto; não depois de ver o tapete sendo enrolado para guardar o carro na recepção. Não queria criticar aqueles que me ofereceram uma caneca dum chá de canela que, tenho certeza, era delicioso mas nunca cheguei a tomar.

Onde achar espaço para comentar que a marcação da cena não me parecia forte? com certeza não depois de perceber a humana insegurança do ator ao olhar nos olhos de alguém com pose de intelectual que aparentemente está ali para julgar, não para experienciar. Não depois de ser tão bem vinda e de ver o cansaço no rosto da diretora que, mesmo assim, esmerou-se por me dar um sorriso e puxar papo enquanto eu me constrangia e me ocupava ao telefone. Eu sorri também, também me esmerei para tanto. Mas não acho que meu esmero tenha sido proporcional ao dela, nem nunca tive a pretensão de que fosse, apesar de ter parecido. Apesar de ter parecido até para mim.

No encarte, a referência a Borges e a uma porrada de outras coisas que não vi mais do que o sofá vermelho do camarim improvisado. O sofá grande como um divã feito de veludo vermelho encostado no canto duma sala quase vazia.

Esta não é uma resenha da peça, o sofá não era cenário da peça, mas para mim foi. Esta é uma resenha de minha experiência ao entrar na cidade labiríntica, não de José que é comum, mas daquela família e daquela companhia que se esmera. Daquela gente que não é obrigada a ser louca como o estereotipado artista. Dos que são vítimas da capacidade de fazer citação tanto quanto da incapacidade de fazer citação.

Falo aqui de mim tanto quanto dos que estavam naquele dia. Um evento de potência estrondosa, apesar do ruído monotonal que a voz do ator provocava. Como evidenciar que gostei do que vi e que esperar mais é, na verdade, símbolo de confiança e não desrespeito? Um encontro marcante e simpático, apesar de duramente melancólico. Umas frases sem sentido que nunca foram ditas a não ser nesta resenha que não sei como fazer.

Garanto aos realizadores daquele evento que foi um evento de sucesso. Mas não garanto que mais alguém consiga enxergá-lo. E tampouco sei o que isto significa.

A peça está em cartaz no espaço da Cia Obragem. O serviço e as impressões de Helena Carnieri no link:
gazetadopovo.com.br/cadernog

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