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Exposição: uma homenagem a Helio Oiticica e Lygia Clark em forma de bricolagem
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O nome do espetáculo é “Exposição” e este título funciona exatamente como a regra manda: resume a idéia de maneira atraente e criativa.

Mas nada, nada mais neste espetáculo faz o que a regra manda. Na verdade, o que este espetáculo faz é mostrar que conhece bem as regras e que, deliberadamente, chuta-lhe o traseiro quando quiser.

E sim, o sujeito da frase é o espetáculo, porque ele é entidade tão bem desenvolvida que virou autônomo.

Este poderia ser um dos temas de Exposição. Outro tema poderia ser a relação do artista com sua arte. Qual o significado da arte para o artista.

Ainda outro tema pode ser dela extraído: qual a importâcia e relação do público com a arte? Em tempos de consumismo exacerbado, em que tudo é produto, tudo é objeto, esquecemos que nós mesmos somos parte daquilo a que assistimos.

Mesmo que passivos, não somos inexistentes. Nossa vida só muda em função do outro. E parece que sempre esquecemos disso.

E é uma peça tão rica em temas que ninguém

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Performance que se da durante a peça: escolha uma porta e ela pode te levar para onde voce nao quer.

concorda quanto a qual o tema da peça. Este, além da atuação, é seu recurso essencial: colocar uma profusão de temas que desembocam em questões comuns entre si.

Em alguns textos do Harold Pinter, por exemplo, o recurso é oposto: uma pequena história, como uma conversa entre marido e mulher, é o ponto de partida que dá origem a várias temáticas maiores.

Em exposição, são várias temáticas maiores desembocando num ponto de partida que são as cartas de Oiticia e Clark.

Já falei aqui que acho que Exposição pode ser uma bricolagem. E já vi bastante gente reclamando de sua forma não inteiriça.

Mas neste caso, pergunto: em tempos fragmentários, qual a razão para seguirmos fazendo obras maciças?

A não ser no programa da peça e nas resenhas de jornal, sequer são mencionadas as cartas trocadas entre os artistas.

Em exposição nada é obvio, além do fato de que ser artista não é escolha profissional, mas escolha de vida.

E será que não nos esquecemos disto quando vamos trabalhar com alguma coisa? Passar oito horas diárias, cinco dias por semana fazendo algo que se detesta não é, também, uma escolha de vida?

Oiticia e Clark começaram no Rio de Janeiro um movimento que chamaram “Arte Marginal” porque negava os espaços e forma determinados pela arte burguesa. Ou seja, tem discussão marxista aqui.

E rastreando as palavrinhas, você acha mais referências.

Estavam ambos os artistas enfarados com as seleções para Museus segregadores duma arte segregadora. Queriam envolvimento com o público, queriam existir para fora e não só para dentro: ação política.

Então os três diretores fizeram várias cenas curtas para representar estas temáticas todas: começa com uma coletiva de imprensa em que a platéia, se fosse mais participativa, seria a imprensa.

E em não sendo a platéia participativa, eles mesmos inventam as perguntas e as respondem. Tudo pode dar errado ali, eles estarão preparados. Como na vida, habituarmo-nos à imprevisibilidade é a única maneira de estar preparado.

A atuação chega a nos deixar em dúvida se houve memorização do texto ou se é tudo improvisação ou se há apenas um roteiro ou o que.

Adoro esta dúvida, causa incômodo e não nos deixa confortável. Não posso relaxar porque pode ser realidade e não posso reagir agressivamente porque pode ser ficção.

Este procedimento de atuação coloca a platéia em estado de alerta contínuo. Em estado não só reflexivo do pensar, mas também do corpo. A qualquer instante podem te olhar e falar com você na frente de todo mundo! E só isto já poderia ser tema de outra resenha.

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Mas o espetáculo não ficou por aí. Em seguida dois dos artistas decidem buscar idéias num período de três minutos. Três minutos para fazer o que quiser. O QUE QUISER!

E ele salta, se debate, samba, grita, pula, se mexe feito louco mas os três minutos se alongam numa infinidade. Nunca acabam. Como na vida e em toda nossa relação com o tempo, e com a liberdade: pedimos, pedimos por eles, mas quando nos são oferecidos não sabemos o que fazer.

Debatemo-nos pela vida sem saber o que fazer com os três minutos e nos últimos segundos ficamos tristes porque passou muito rápido.

E em nenhum instante destes três minutos, parecia valer a pena parar e refletir, ou respirar ou relaxar. Aparentemente ação é movimento externo. Mas não é e sempre nos esquecemos disto.

Depois uma atriz que fala ao telefone com alguém da platéia, perguntando-lhe o que acha de sua capacidade para o trabalho. Lindo.

Em seguida, a mesma atriz canta Chiquita Bacana, um samba que é gênero popular e cuja letra fala, vejam só, da filosofia existencialista. A música fala que Chiquita é “existencialista com toda razão, só faz o que manda o seu coração”.

Mas devo corrigir a canção e dizer que o existencialismo, segundo Sartre, é um humanismo e não um “faça o que quiser”.

Há sonoplastia de aplausos e ela começa gostando. Um giro espetacular (salto triplo carpado) porém não repentino a faz desgostar e ela começa a nos mandar calar a boca.E nós, bobocas, rimos.

Não vou estragar a peça para quem não viu, não vou estragar sua linguagem com esta descrição reles. Não é uma peça para ser descrita.

O meu teatro ideal é este que não pode ser nada que não teatro. E há tempos eu não via uma peça que não pode ser nada mais que vista.

A Helena Carnieri também escreveu sobre esta coisa que é Exposição.

E o Fernando também no blog dele e da mãozinha da alegria:

Este é o último final de semana da Exposição que está em cartaz no Novelas Curitibanas até dia 26 de agosto às 20h.

Chegue cedo porque os ingressos acabam logo!

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