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O Malefício da Mariposa
| Foto:
Ave Lola Espaço de Criação
Curito

A peça mais linda a que assisti este ano tem um enredo curioso. Texto do Lorca e adaptação da Cia Lola de Criação de Curitiba.

Curito tem de, sob indicação da mãe, casar-se com Sylvia. Sylvia o ama desde a infância, ele diz não amá-la desde quando, também na infância, declarou-lhe seu sentimento – será que o amor se desfaz na pronúncia?

Curito apaixona-se pela Mariposa que, depois descobriremos, é como uma Deusa da floresta, ser de poderes incríveis. Mas a mariposa sofreu um acidente e está quase morrendo.

Enquanto ela passa pelos cuidados de uma cientista e da mãe de Curito, o boneco de Curito também se apaixona por ela. E aí uma indicação da mescla mais dialética da peça. O recurso de intercalação entre os atores que interpretam o mesmo personagem é usado duas vezes.

Na primeira, Sylvia é um inseto representado por um boneco. Mas tanto a voz quanto o próprio boneco são representados pelos três atores em cena, de acordo com a conveniência ou com a opção estética (eu arriscaria dizer que ambos, também intercaladamente). Dos três atores em cena, um é homem – e dono de uma voz bastante grave, o que o obriga a encenar um falsete para Sylvia.

Aqui eu hesitaria. Não saberia mais se

Ave Lola Espaço de Criação
A area externa do espaço da cia

gosto ou não gosto do que vejo.

O deslocamento dos três atores ao, brechtianamente, interpretar o mesmo personagem intercaladamente causa a sensação de uma união do grupo que nem o amor destruiria. Ao mesmo tempo, e digo “ao mesmo tempo” porque senti ao mesmo tempo; ao mesmo tempo, a mudança do tom de voz de Sylvia quando saindo da doçura das atrizes partindo para o falsete do ator, provoca estranhamento.

O estranhamento de Brecht queria nos tirar a ilusão e o gozo de ver a ação política sendo realizada, em nosso lugar, na cena.

O que o estranhamento nesta “fábula” causaria? Não sei se algo positivo além do incômodo e a proposta brechtiana se encaixava muito bem num sistema de iniciativa política, o que não parece acontecer aqui.

Ave Lola Espaço de Criação

Quanto ao figurino, semelhante ao dos bobos da corte no séc. XIII, mas todo branco e preto – denuncia as influências da Commedia Dellarte e do teatro de máscaras sobre o trabalho do grupo. As vestimentas humanas com movimentos animalescos criam mais uma riqueza de contradição.

A rosa (não a Tezza, a rosa com minúscula) que surge no início e no fim, parece dizer que o amor colore o mundo. E alguns detalhes das roupas de Sylvia e da

Mariposa não parecem ter significação muito maior do que seu destaque como protagonistas da história.

Ressalte-se que o Curito tem uma luva amarela com a qual devo sonhar esta noite sem chegar a conclusão alguma.

O cenário todo branco sendo o proscênio um confortabilíssimo tapete branco e felpudo, parece que feito à mão – quem sabe pelos atores mesmos, que parecem gostar muito do conforto que todo o espaço proporciona.

O único personagem mau: uma barata ou algo pior que come aranhas e tudo o que vê pela frente. Nem ele é mesmo mau, mau. Ele é mau por contraste diante de uma atmosfera de extrema bondade criada pelas cores, pela atuação, pela docilidade dos insetos humanizados, pela fumaça e, quem sabe, pelo aconchego que o olhar da diretora e dona da casa nos lança ao servir a sopinha antes do espetáculo.

Daí minha idéia de uma fábula. Mal e Bem se consagram com o domínio do bem. No final o bem sempre vence e esta concepção de mundo nunca vem sem um preço. Talvez o custo seja ter de ouvir a lição de moral que vem sempre ao fim de uma frase bondosa.

Ave Lola Espaço de Criação
O elenco da esquerda para a direita: Alessandra Flores, Val Salles e Janine de Campos

Mas neste espetáculo, a frase bondosa é repetida todo o tempo pela trilha sonora. E ela nem sempre é doce.

Mas ao final, quando esperamos a lição de moral, o que temos é um dedo indicador em forma de rosa vermelha dizendo “e se?”.

“E se o amor matasse?” ou antes “E se os insetos amassem?” ou numa leitura ambientalista “E se o meio ambiente fosse tão vivo quanto o homem?”. Mas acho que pensar em ambientalismo seria empobrecer Lorca, quando a questão é existencial ligando-se mais ao filosófico que ao político.

Os malefícios da Mariposa como título pode ser uma indicação da lição de moral que uma fábula geralmente apresenta: “cuidado!

Amar demais pode te matar! Mas é tão bom quanto imprescindível à sua saúde”.

O Malefício da Mariposa está em cartaz no espaço da Ave Lola, veja o cartaz com os horários na mãozinha da alegria

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