Em 1984, a primeira-ministra britânica Margaret Thatcher estava sendo duramente pressionada pelo poderoso sindicato dos mineiros do norte do país. Liderada por Arthur Scargill, a União Nacional dos Mineiros (NUM) buscava impedir o fechamento da indústria do carvão. Thatcher, por outro lado, buscava enfraquecê-los por acreditar que a influência da NUM na política estava exagerada e ultrapassada.
Fortalecida pela retumbante vitória nas Malvinas contra o fraco exército argentino, Thatcher encarou o grande desafio do seu período como primeira-ministra, enfrentando uma greve que durou 1 ano e resultou em 5 mortes. A vitória contra os sindicalistas a deixaria em uma condição quase mítica. Uma derrota, teria trazido a ela as mesmas consequências experimentadas pelo ex-primeiro ministro Edward Heath no começo dos anos 1970, quando perdeu a parada ao enfrentar os sindicalistas.
Trinta e cinco anos depois, a segunda primeira-ministra da história do Reino Unido renuncia por não conseguir o seu ápice político. O Brexit, que a cada dia mostra-se uma das decisões mais equivocadas que um país poderia tomar, foi mais forte do que Theresa May.
May não convenceu o Parlamento a entregar um acordo considerado possível para obter uma saída minimamente razoável da União Europeia. Mais que isso, após três tentativas frustradas, May preparava uma quarta tentativa de convencer o Parlamento quando optou por uma estratégia arriscada. Na ânsia de conseguir os votos dos trabalhistas, May jogou a possibilidade de um novo referendo. Isso enfureceu seus colegas Conservadores, principalmente pelo fato da possibilidade não haver sido debatida internamente antes. Uma queda que estava cada vez mais próxima, acelerou-se.
Sendo insistentemente derrotada, inclusive por seus próprios correligionários, Theresa May não tinha mais nenhuma carta na manga e seu partido, nenhuma paciência. Sua saída do cargo não vem de uma decisão pessoal, porém de uma pressão insustentável de seu partido, os Conservadores.
Como ocorreu o Brexit e o que vem por aí
No dia 23 de junho de 2016, o então primeiro-ministro David Cameron decidiu por realizar um referendo questionando se o Reino Unido deveria permanecer na União Europeia. Naquele ano, a UE vivia uma crise de autonomia, onde problemas econômicos em vários países-membros eram cada vez mais regulados e potencialmente solucionados via Alemanha. Em paralelo, o problema da imigração vinda do Oriente Médio e do Norte da África gerava todo tipo de incômodo coma situação das fronteiras abertas. Com uma campanha recheada de fake news vindas de todos os lados, a decisão por sair venceu por 51.9% contra 48.1%.
Com o resultado, David Cameron deixou o cargo, e a data para se consumar a saída foi fixada para 29 de marco de 2019. Por falta de acordo entre os membros do parlamento britânico sobre as condições para essa saída, o prazo fatal foi estendido pela UE para o Dia das Bruxas, 31 de outubro.
Theresa May preparou um plano de abandono de alta complexidade, com 536 páginas para a avaliação do Parlamento. O pagamento de 36 bilhões de libras que o Reino Unido deve a UE, a situação dos britânicos que vivem em outros países europeus, acordos comerciais, prazos para a interrupção de fluxos comerciais, criação de fronteira física com a República da Irlanda são apenas algumas das pautas-bombas entre várias que deveriam ser resolvidas antes de outubro.
Caso o prazo expire e o Reino Unido não consiga apresentar um plano de saída viável, o país poderá sofrer em várias frentes: interrupção do fluxo de produtos que entram ou saem do Reino Unido; graves problemas no fluxo de caixa das empresas que dependem do comércio com a Europa e até interrupção de seus serviços; medicamentos teriam de ser armazenados e estocados para manter o abastecimento do sistema de saúde.
Uma pesquisa de setembro de 2018 mostrou que o número de britânicos que gostaria de permanecer na União Europeia aumentou de 41% para 59%. Muitos analistas acreditam que esse número já esteja bem maior hoje em dia. Inúmeros eleitores afirmam que votaram a favor do Brexit sem realmente entender do que se tratava ou o tanto que ele poderia afetar negativamente o país. Em um ambiente onde a saída da União Europeia é enxergada com olhos pessimistas, faz sentido estar sendo vista de esguelha pelo Parlamento.
Por outro lado, a União Europeia vive um ambiente diferente daquele ano de 2016 que permitiu a ideia do Brexit. Primeiramente, houve uma recuperação econômica em vários países, principalmente na Grécia, que representava o símbolo do fracasso europeu segundo os pró-Brexit. A onda do Brexit que criou narrativas nacionalistas indesejadas pela UE em países como Itália, Hungria e Polônia, mostrou-se passageira e está atenuada.
Decididamente, o quadro inteiro mudou. Às vésperas de eleições para o parlamento europeu, pesquisas indicam que 62% dos europeus consideram fazer parte da União Europeia como algo bom, contra apenas 11% que acreditam não valer a pena. Poderia até se dizer que o efeito educativo do Brexit foi o de fortalecimento da UE. A Itália, por exemplo, que elegeu um governo populista liderado por Giuseppe Conte, Luigi di Maio e Matteo Salvini, vem tendo dificuldades em manter a narrativa populista e nacionalista que levou o trio ao poder. Antes, críticos da UE, já buscam fortalecê-la a tentam criar uma base de influência italiana mais forte em Bruxelas.
Enquanto isso, o Reino Unido segue no limbo. Fora, mas dentro, o país não sabe como será seu futuro. O Brexit foi apenas uma aventura onde as narrativas populistas e fake news mostraram uma “facilidade” que na prática não existia?
É esperado que vários fundos de investimentos troquem Londres por Paris, Frankfurt ou Dublin. Empresas que dependem de uma visão mais global e que lidam de forma mais constante com a Europa continental também estão de malas prontas para migrarem dependendo de como o acordo de saída for feito. Milhares de britânicos que se aposentaram e vivem na Espanha, Portugal e Franca estão empacotando seus pertences. Muitos votaram pelo Brexit e descobriram que seus planos de saúde não serão mais válidos nos países no quais residem e que teriam que começar a pagar por um privado.
May versus Thatcher
O Brexit é o perfeito exemplo de como a emoção do momento aliada a informações acaloradas, sem fundamento, distribuídas pelas redes sociais podem, de fato, prejudicar a vida de milhões. Em nome da Democracia, refazer o referendo é algo muito custoso para a credibilidade britânica. No entanto, há um número crescente de súditos da Rainha que passam a desejá-lo.
Quanto a May, ela não demonstrou a habilidade ou a força de Margaret Thatcher. Na verdade, havia pouco o que ela poderia fazer. Negociar algo que não apresenta pelo menos uma boa alternativa, dificilmente traz resultados bons. May permanecerá no cargo até o dia 7 de junho. Após isso, um novo Primeiro-ministro terá de liderar o Reino Unido na pior das trilhas políticas já tomada. Entre os favoritos, encontra-se Boris Johnson, Ministro de Relacoes Exteriores e figura popular entre colegas mas sem o reconhecimento público à altura da posição.
*Thiago de Aragão é colunista da Gazeta do Povo, sociólogo, mestre em Relações Internacionais pela Universidade Johns Hopkins e pesquisador sênior do Center for Strategic and International Studies de Washington (CSIS).
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