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A homilia do Papa e os pinguins inteligentes
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Na retrospectiva do mês passado eu mencionei a homilia de Bento XVI na Vigília Pascal, em que ele condenou tanto o literalismo bíblico quanto uma visão explicitamente materialista da teoria da evolução. Faye Flam, do Philadelphia Inquirer, fez uma repercussão da homilia com alguns biólogos, a maioria deles católicos, mas eu considero a primeira frase do texto um tanto reveladora. Quando diz que “o Papa Bento XVI criticou tanto o criacionismo quanto a evolução. Pelo menos foi o que pareceu”, ou ela não entendeu o que o Papa disse, ou ela fez uma avaliação muito superficial.

Nas palavras do Papa, “o que sucedera no universo em expansão não foi que por fim, num angulozinho qualquer do cosmos, ter-se-ia formado por acaso também uma espécie como qualquer outra de ser vivente, capaz de raciocinar e de tentar encontrar na criação uma razão ou de lha conferir. Se o homem fosse apenas um tal produto casual da evolução num lugar marginal qualquer do universo, então a sua vida seria sem sentido ou mesmo um azar da natureza. Mas não!” Os cientistas argumentaram que a evolução não é totalmente aleatória. De fato, a seleção natural tem suas leis; as espécies não prosperam ou desaparecem de forma aleatória. Mas as mutações que vão levar à diversificação das espécies são, sim, aleatórias; mesmo que sejam provocadas por agentes externos, esses agentes não vão determinar o rumo que a mutação vai tomar. Não creio que o Papa, no meio da Vigília Pascal, estivesse interessado nas minúcias do processo evolutivo ou visse a necessidade de ressaltar o que é ou não é aleatório; sua reflexão é teológica, não biológica.

Achei interessante o comentário de Peter Dodson, sobre a afirmação de Stephen Jay Gould de que, se pudéssemos voltar o relógio ao tempo dos dinossauros e recomeçássemos de lá, a evolução teria tomado um rumo totalmente diferente e o planeta hoje estaria povoado por um outro conjunto de seres. “Talvez teríamos pinguins inteligentes”, disse Dodson. Até aí, nada de mais. O problema é quando se tenta opor essa afirmação a uma suposta noção católica de que o homem seria o ponto culminante da evolução, ou de que o homem é o propósito (ou parte do propósito) da evolução.

DFU/stock.xchng
A evolução poderia ter dado origem a pinguins inteligentes, diz um biólogo. E podia mesmo, já que os conceitos de “ponto culminante da criação” e de “ser criado à imagem e semelhança de Deus” não exigem um corpo igual ao dos humanos, e sim as capacidades intelectuais e espirituais.

Sem dúvida nenhuma, do ponto de vista teológico, o homem é o cume da criação; dizer que ele seria o ponto culminante da evolução é uma afirmação de teor biológico que eu não lembro de ter visto o Papa fazer. Mas ser o “auge da criação” não tem nada a ver com a nossa configuração física; pensar assim seria antropomorfizar Deus e cometer o mesmo erro dos que dizem “antes as pessoas acreditavam que o homem foi feito à imagem e semelhança de Deus, agora sabemos que ele descende de um primata, ancestral comum do homem e dos macacos modernos”. O auge da criação é um “ser vivente, capaz de raciocinar e de tentar encontrar na criação uma razão ou de lha conferir”, capaz de reconhecer Deus. Calhou de esses seres capazes de raciocinar sermos nós; poderiam ser pinguins? Sim, se a evolução tivesse produzido pinguins capazes daquilo tudo que o Papa descreveu. E hoje eles estariam fazendo documentários premiados do tipo A marcha dos primatas.

Posso até estar errado, mas como católico sinceramente não vejo nada de perigoso em dizer que a evolução podia ter tomado outro rumo, que em vez de humanos inteligentes desse origem a pinguins, lagartixas ou tubarões inteligentes. Se fossem eles, e não nós, os seres com capacidade de reconhecer a Deus, seriam o auge da criação. E poderiam considerar seu surgimento como um dos propósitos da criação, já que, como disse semana passada, o tema do propósito na criação ou mesmo no processo evolutivo não está no âmbito da ciência.

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