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As perguntas sobre psicologia e neurociência que as pessoas religiosas fazem
| Foto: Marcio Antonio Campos com Midjourney

Sigo empenhado em reduzir um déficit que tenho em relação a um assunto específico da interação entre ciência e religião desde que comecei a escrever sobre o tema: as questões relativas à neurociência, à relação mente-cérebro e assemelhados. Posso dizer que no último ano já comecei a recuperar terreno, mas ainda tenho muito o que aprender, e por isso resolvi tirar da estante um volume da preciosa coleção Ciência e Fé Cristã, uma parceria da editora Ultimato com a Associação Brasileira de Cristãos na Ciência: é Mentes, Cérebros, Almas e Deuses – Uma conversa sobre fé, psicologia e neurociência, de Malcolm Jeeves.

Jeeves é professor emérito de Psicologia na Universidade de St. Andrews, na Escócia, e o livro é de 2013. Nele, o autor concebe um estudante imaginário (chamado “Ben”) que está começando os seus estudos na faculdade de Psicologia, e com quem troca mensagens. “Ben” é um cristão convicto, mas ouve certas coisas tanto nas aulas quanto de outros amigos cristãos que enxergam a psicologia com uma pontinha de suspeita, e por isso bombardeia Jeeves com uma série de perguntas.

Malcolm Jeeves responde bem às tentativas de deslegitimar o fenômeno religioso usando a psicologia ou a neurociência – por exemplo, a noção de que a fé é resultado de processos evolutivos que nos tornaram mais propensos a crer em uma divindade

Mas não é preciso ser psicólogo ou neurocientista para percebermos que as questões que afligem “Ben” são as mesmas que todos nós nos fazemos – ou, ao menos, todos nós que já nos interessamos um pouco por esse tipo de conversa. Qual é, afinal, a relação entre mente e cérebro? Os avanços da psicologia ou da neurociência vão deslegitimar a religião ou a fé? O que nos distingue como seres humanos em relação aos outros animais? Temos um “gene de Deus” ou uma área do cérebro que “ativa” a nossa fé? Somos realmente livres ou o livre arbítrio é uma ilusão? Senso moral e comportamento altruísta, ainda que rudimentares, entre animais mostrariam que não somos tão especiais assim? Todas essas discussões estão no livro, com maior ou menor profundidade, mas sempre com sugestões de leitura para aprofundamento.

É um livro com seus altos e baixos. Gosto bastante da forma como Jeeves critica um certo frenesi em cima de novidades nesse campo, aquilo que outros autores chamaram de “neuromania”, “psicobesteirol” e “biotolice” e que vai desde um reducionismo besta à confusão total entre correlação e causa – tudo, claro, sempre recheado com imagens coloridas de áreas do cérebro sendo ativadas aqui e ali (p. 42-43). Também considero que ele responde bem às tentativas de deslegitimar o fenômeno religioso usando a psicologia ou a neurociência – por exemplo, a noção de que a fé é resultado de processos evolutivos que nos tornaram mais propensos a crer em uma divindade por motivos de coesão social ou coisa parecida. “Ou Deus existe ou ele não existe, e nenhuma quantidade de psicologização pode evocar um Deus que não existe ou se livrar de um Deus que se revelou na história”, afirma Jeeves (p. 204). Os dois capítulos sobre livre arbítrio (3 e 5; não sei por que o autor não os deixou na sequência) também são bem interessantes – esse, particularmente, é um dos temas sobre os quais mais tenho curiosidade.

Por outro lado, o capítulo sobre a alma (7)... Da primeira vez que li, fiquei alarmado com o que me pareceram umas opiniões bastante heterodoxas (pra ser generoso). Depois de terminado o livro, fui reler essa parte e já não me pareceu tão ruim assim, embora eu ainda não esteja plenamente convencido de que Jeeves creia em uma alma espiritual, imortal, que se separa do corpo na morte para se reunir novamente com ele na ressurreição final, como a define o Catecismo da Igreja Católica (nn. 362-368) – o autor se diz adepto de um “monismo de aspecto dual”, segundo o qual “a mente e o cérebro são dois aspectos de uma única realidade” (p. 70). E acho muito perigoso colocar no mesmo balaio os trechos bíblicos que falam da alma e trechos que fazem afirmações de cunho estritamente natural sobre cosmologia, astronomia ou biologia (p. 90-91).

Jeeves ainda faz uma contestação satisfatória do reducionismo fisicalista, embora eu ache que os outros dois livros que li sobre o tema, Ciência da vida após a morte e ¿Somos o no somos nuestro cerebro?, sejam mais claros e mais enfáticos a esse respeito – aliás, acho que os autores de Ciência da vida após a morte olhariam com desgosto para o capítulo em que Jeeves descarta as experiências de quase-morte como resultado de disfunções cerebrais. Enfim, tudo devidamente pesado, o saldo é positivo como uma introdução abrangente às questões mais candentes que misturam psicologia, neurociência e religião. Só lamento que, ao falar do “gene de Deus”, Jeeves não tenha citado a grande descoberta de John Cleese:

Se você se interessa por esse assunto, vamos nos encontrar no Conupes!

O tema do 5.º Congresso Internacional de Ciência, Saúde e Espiritualidade é “A mente além do cérebro: implicações para a pesquisa e prática clínica”; então, se temas como os discutidos no livro de Jeeves lhe interessam, não deixe de fazer sua inscrição para o evento, que ocorre de 11 a 13 de abril em Juiz de Fora (MG). Eu também estarei lá; falarei um pouco de minha experiência escrevendo sobre ciência e religião e faremos um minilançamento de A razão diante do engima da existência, o livro que reúne quase 30 entrevistas publicadas no Tubo de Ensaio em 15 anos de coluna.

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