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Anielle faz o L em evento de filiação ao PT, no Rio de Janeiro.
Anielle faz o L em evento de filiação ao PT, no Rio de Janeiro.| Foto: Ricardo Stuckert/Presidência da República

A festa de filiação de Anielle Franco ao PT não teve comemoração pela prisão dos três principais suspeitos de planejar e ordenar o assassinato da irmã dela, Marielle. Ministra da Igualdade Racial, Anielle foi filiada ao Partido dos Trabalhadores pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva na última terça-feira (2), no Circo Voador, histórica casa de shows do Rio de Janeiro.

O evento, aberto ao público, ocorreu nove dias após a prisão do ex-deputado estadual Domingos Brazão, conselheiro do TCE-RJ (Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro); do irmão dele Chiquinho Brazão, deputado federal pelo União Brasil; e do delegado Rivaldo Barbosa, ex-chefe da Polícia Civil do Rio de Janeiro. A filiação reuniu dezenas de lideranças petistas, como a presidente do partido, Gleisi Hoffmann; o presidente do BNDES, Aloizio Mercadante; e o presidente da Embratur, Marcelo Freixo, além de deputados, vereadores e demais integrantes da legenda.

Nos últimos anos, todos pressionaram por resposta a “quem mandou matar Marielle” – justamente e juntamente com personalidades e cidadãos comuns, inclusive, de espectros ideológicos os mais diversos, diante da banalidade com que ela foi morta. Então vereadora pelo Psol no Rio de Janeiro, Marielle Franco foi emboscada e assassinada a tiros na noite de 14 de março de 2018, junto com o motorista Anderson Gomes.

Pouco mais de uma semana após a detenção dos suspeitos, coincidindo com a filiação da ministra, irmã da vítima, nenhum discurso celebrou a identificação e a prisão dos acusados, detidos pela Polícia Federal (PF) no último dia 24 de março. “A gente busca Justiça”; “Tentaram calar a minha irmã, mas a gente ressurgiu” e “nós somos a reconstrução do que a sua irmã foi e do que a sua irmã é” foram algumas das declarações dos petistas no palco do Circo Voador, em uma tônica de luta que continua, não de felicidade ou de algum alívio, por se ter, enfim, uma resposta tão cobrada. Lula, então, disse apenas ter “certeza de que ela [Marielle] está assistindo onde estiver”, ao filiar Anielle Franco.

“Tentaram calar a minha irmã, mas a gente ressurgiu, ressignificou e refloresceu esse lugar”, discursou Anielle Franco, ao receber a ficha de filiação de Lula, citando o homicídio da irmã sem falar sobre a recente prisão dos três suspeitos. “Com tombar corpos alheios, eu não estou desse lado. Eu estou do lado de um homem que toda vez fala da importância da educação. Não é possível que o Rio de Janeiro seja esse lugar onde, todo dia, a gente abre o jornal e tem morte, tem matança, tem ódio. Não é isso o que a gente deseja”, prosseguiu, referindo-se a Lula e projetando um futuro político que não deve começar na eleição deste ano.

PT trabalha para lançar Anielle ao Senado em 2026

Na plateia, militantes lamentaram quando Lula disse que Anielle “não vai ser candidata agora em 2024, ela quer ser ministra até o último momento”. E gritaram “governadora!”, quando o presidente prosseguiu, dizendo que “quando terminar, chegar perto do final do governo, tem eleição, em 2026”.

A hipótese mais aventada pelo PT é de lançar Anielle candidata não ao governo do estado, mas sim ao Senado.

Lula apontou Anielle como peça importante para o futuro do PT, após perfilar fundadores e correligionários históricos. O presidente citou Mercadante, além de José Dirceu, José Genoíno, Vladimir Palmeira, Jacó Bittar, Apolônio de Carvalho e intelectuais, como Paulo Freire e Florestan Fernandes. Falou duas vezes o nome de Olívio Dutra. Vítima de assassinato, como Marielle, e fundador do PT, Celso Daniel não foi citado.

Chapa entre Paes e Anieele seria complicada

A fala de Lula sobre o futuro político de Anielle Franco reduz a muito improvável a hipótese de ela ser indicada a vice na chapa do prefeito Eduardo Paes (PSD), que pretende tentar a reeleição nas eleições 2024. Essa eventual união carregaria uma marca bastante complicada: o atual prefeito ter como vice a irmã da vítima de um assassinato, meses após se aliar à família dos principais suspeitos pelo crime.

Paes nomeou Chiquinho Brazão secretário municipal de Ação Comunitária em outubro do ano passado, quando o irmão dele, Domingos, já era investigado. Chiquinho deixou o cargo em 1º de fevereiro deste ano, após divulgação de inquérito da Polícia Federal.

Chiquinho e Domingos Brazão também já caminharam juntos com o PT, como em 2014, quando apoiaram a reeleição de Dilma Rousseff à Presidência. Com base eleitoral em Jacarepaguá, na zona oeste do Rio, e sem ideologia definida, da mesma forma eles já se opuseram aos petistas em diversos pleitos.

Para a tentativa de reeleição, o dilema de Eduardo Paes fica agora entre formar uma chapa fechada em seu partido, PSD, ou ceder a vaga de vice ao PT.

Nesta segunda hipótese, uma das petistas mais cogitadas é a vereadora licenciada Tainá de Paula, que tem o trunfo de já trabalhar com o prefeito – é secretária municipal de Meio Ambiente e do Clima. Ao discursar no Circo Voador, Tainá de Paula disse que “Marielle é meio como o presidente Lula, é uma ideia” e referiu-se ao assassinato, indiretamente.

Tainá dirigiu-se a Anielle, falando em “construir um projeto político que pense em outro Rio de Janeiro, em 2024, em 2026, em 2028, a partir da ideia radical de posicionar no topo aquelas da base da pirâmide, que deram sua vida, seu corpo, que, com cinco tiros, não pararam, porque nós somos a reconstrução do que a sua irmã foi e do que a sua irmã é para nós”. A secretária municipal também não falou sobre as prisões do delegado Rivaldo Barbosa e dos irmãos Brazão.

Freixo diz que ainda "busca justiça" para Marielle

Professor de história de Anielle e padrinho político de Marielle, que foi sua assessora por dez anos, Marcelo Freixo afirmou que ainda “busca justiça” quanto ao homicídio. Atual presidente da Embratur, Freixo está de volta ao PT desde maio do ano passado, após passar pelo Psol e pelo PSB.

Em discurso, Freixo enalteceu a memória de Marielle e falou que o PT, com Anielle, “vai conduzir uma liderança de esquerda maior para derrotar o fascismo que se estabeleceu no Brasil”. No dia seguinte, em Brasília, Freixo elogiou o avanço das investigações acerca do crime. Ele atribuiu novo andamento no caso à volta de Lula à Presidência, com retorno do inquérito à PF determinado em fevereiro do ano passado, pelo então ministro da Justiça, Flávio Dino.

“É muito importante a prisão desses mandantes como caso exemplar. (...) A Polícia Federal assume o caso depois de cinco anos e, em um ano, consegue duas delações, consegue a produção de provas, consegue um relatório que chega até gente muito poderosa. A um membro do Tribunal de Contas, a um deputado federal, que era vereador junto com a Marielle, na época, e ao então chefe da Polícia Civil do Rio de Janeiro. Gente muito poderosa que, ao que tudo indica, estava sendo protegida nas investigações anteriores”, declarou Freixo, em entrevista ao programa de entrevistas CB Poder, apresentado via YouTube.

PF entrara no caso Marielle em 2018

Não foi somente em fevereiro de 2023, por determinação de Flávio Dino, que a Polícia Federal passou a investigar os assassinatos de Marielle e Anderson. Ainda em 2018, a PF havia entrado no caso, para apurar uma denúncia reforçada agora com a prisão de Rivaldo Barbosa: de uma organização criminosa com participação de agentes públicos e milicianos que estaria agindo para impedir a elucidação do homicídio premeditado.

O nome do então chefe da Polícia Civil ainda não havia sido exposto, mas a descrição das suspeitas coincidia com os motivos que, agora, acabaram levando à sua prisão, acusado de obstruir o inquérito.

“Vai ter duas investigações em paralelo. A da morte de Marielle continua. Mas vai ter outro eixo, que vai investigar seja quem está dentro do poder público ou quem está fora. É uma investigação da investigação, vamos assim dizer”, declarou o então ministro da Segurança Pública, Raul Jungmann, ao determinar a participação da PF a pedido da então procuradora-geral da República, Raquel Dodge, ainda no mandato presidencial de Michel Temer.

Enquanto esteve no caso, entre 2018 e 2019, a PF havia chegado a Domingos Brazão, citado em um primeiro inquérito como um dos “possíveis mandantes” do assassinato de Marielle. Esta primeira denúncia contra Brazão foi tornada pública em 20 de março de 2019 – oito dias após as prisões dos dois acusados de executarem o crime. Já expulso da PM, Élcio Queiroz foi apontado como motorista do carro que levava o então policial militar reformado Ronnie Lessa – por sua vez, acusado de disparar os tiros que mataram Marielle e Anderson.

Cinco anos depois, em março de 2024, a PF prende o mesmo Domingos Brazão – junto com o irmão Chiquinho e o delegado Rivaldo Barbosa –, após inquérito a partir de denúncias de Élcio Queiroz e do mesmo Ronnie Lessa – agora também expulso da PM.

Nesse ínterim, a PFfoi impedida, pelo Supremo Tribunal de Justiça (STJ), de seguir nas investigações. Solicitada por Raquel Dodge, a federalização do inquérito foi negada, por unanimidade, pela 3ª Seção do STJ, em maio de 2020. Nos meses anteriores, quando Jair Bolsonaro (PL) já ocupava a Presidência, aliados e familiares de Marielle fizeram campanha contra a federalização. Na época, Anielle Franco disse temer “interferências políticas” na apuração dos fatos. Então deputado federal pelo Psol, Marcelo Freixo percorreu gabinetes de ministros do STJ, pedindo que eles votassem contra a federalização.

A reportagem da Gazeta do Povo procurou Freixo desde a manhã desta quinta-feira (4) e enviou à sua assessoria, às 13h50 do mesmo dia, pergunta sobre “se o presidente da Embratur não se lembra de que a Polícia Federal interveio no caso, ainda em novembro de 2018, e que a primeira citação de Domingos Brazão como possível mandante foi feita, pela mesma PF, pouco depois, logo após a prisão de Ronnie Lessa, em março de 2019”. Até a manhã desta sexta-feira (5), o presidente da Embratur e sua assessoria não haviam retornado.

Outras justificativas da família de Marielle e de aliados para se oporem à federalização do inquérito remontavam à própria data do assassinato. Em 14 de março de 2018, antes do crime, Élcio Queiroz foi ao condomínio Vivendas da Barra, onde o então deputado federal Jair Bolsonaro tinha residência. Élcio foi encontrar um vizinho de Bolsonaro. Era Ronnie Lessa, que morava no mesmo condomínio e quem ele costumava visitar.

Dali, de acordo com a PF, os dois saíram para matar Marielle. Posteriormente, ao admitir participação como motorista, ratificando Ronnie Lessa como autor dos disparos, Élcio Queiroz também apontou Domingos Brazão como mandante do crime. A família de Marielle passou a apoiar a federalização do caso em 2023, depois que Lula voltou à Presidência. O retorno da PF ao caso ocorreu sem oposição.

Chiquinho e Domingos Brazão são acusados pela Polícia Federal de mandar matar a então vereadora devido a atuações dela contra a abertura de loteamentos clandestinos na zona oeste do Rio, que teria os irmãos à frente de milícias. Há a suspeita de que Rivaldo Barbosa protegeria os mandantes, impedindo o andamento das investigações, como chefe da Polícia Civil do Rio de Janeiro – motivo da primeira intervenção da PF em 2018.

De acordo com o relatório da PF, o delegado teria orientado os mandantes a evitarem matar Marielle Franco logo que ela saísse da Câmara Municipal. Desta forma, afastariam a caracterização de crime político que levaria o inquérito para a esfera federal, impedindo - ainda segundo a PF - sua proteção à impunidade. O relatório aponta ainda que Rivaldo Barbosa teria resolvido entregar os executores após perder o controle sobre o caso, justamente durante a intervenção da PF.

Todos os suspeitos negam as acusações

Ubiratan Guedes, advogado de Domingos Brazão, alegou que seu cliente “não conhecia Marielle, não tinha nenhuma ligação com Marielle”.

Em depoimento online à Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, o deputado Chiquinho Brazão, que foi colega de Marielle, como vereador, disse que tinha “ótima relação” com ela, havendo “simples discordância de pontos de vista”.

Alexandre Dumans, advogado de Rivaldo Barbosa, ressaltou que “foi exatamente durante a administração dele [como chefe da Polícia Civil] que o Ronnie Lessa foi preso”.

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