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Plataforma P-71, da Petrobras, construída no estaleiro Jurong Aracruz, subsidiária da Jurong Shipyard, de Cingapura: governo quer retomar política de conteúdo local
Plataforma P-71, da Petrobras, construída no estaleiro Jurong Aracruz, subsidiária da Jurong Shipyard, de Cingapura: governo quer retomar política de conteúdo local| Foto: Divulgação/Agência Petrobras

Cumprindo uma promessa do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o governo federal anunciou que irá aumentar a exigência de conteúdo local para os próximos leilões de concessão ou de partilha de campos de petróleo em alto mar.

A medida foi aprovada em 19 de dezembro, em reunião do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), órgão presidido pelo ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, e retoma prática adotada em gestões petistas anteriores.

No setor de óleo e gás, a política de conteúdo local (PCL) se caracteriza por exigir uma participação mínima de matéria-prima e mão de obra brasileiras na construção de plataformas, navios, sondas e refinarias.

Como parte da estratégia, recentemente a Petrobras, por meio de sua subsidiária de logística Transpetro, anunciou que pretende iniciar, a partir de 2024, uma nova chamada para contratação de estaleiros nacionais para a construção de navios petroleiros.

No passado, no entanto, o expediente foi criticado por estudiosos e analistas do setor por ter gerado efeitos negativos para o desenvolvimento da indústria, ao mesmo tempo em que elevou custos para as petroleiras, em especial à Petrobras.

Conforme o anúncio do CNPE, os blocos marítimos ofertados nos próximos leilões, seja no regime de concessão ou de partilha, exigirão 30% de conteúdo local nas fases de exploração e de desenvolvimento da produção. Desde 2017, por decisão do governo, então sob a gestão de Michel Temer (MDB), o porcentual mínimo exigido era de 18% na exploração e de 25% na de desenvolvimento da produção.

Para o escoamento e as unidades estacionárias de produção, ficaram mantidos os percentuais mínimos 40% e 25%, respectivamente. Para os blocos terrestres, também permanecem as exigências de conteúdo local de 50% na fase de exploração e de 50% na etapa de desenvolvimento da produção.

O CNPE solicitou ainda à Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) que regulamente as cláusulas contratuais de preferência à contratação de fornecedores brasileiros.

OCDE diz que política de conteúdo local prejudica competitividade

A Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) considera que, embora políticas de conteúdo local possam ajudar governos a atingir objetivos de curto prazo, a competitividade acaba prejudicada com o tempo.

“Embora a maioria dos estudos tenha se concentrado nas ineficiências de longo prazo causadas por PCLs, um estudo da OCDE também destaca os custos subsequentes impostos ao restante da economia. As ineficiências que surgem em outros setores devido ao PCL na verdade reduzem o crescimento do emprego e as oportunidades para alcançar economias de escala, minando os objetivos originais”, resume a entidade.

Ainda de acordo com a OCDE, países que impõem exigências mínimas de conteúdo local perdem competitividade internacional com uma redução nas exportações de setores não diretamente visados pela política de nacionalização.

“Como os setores que se beneficiam da PCL consomem mais recursos internos, outros setores são forçados a reduzir a produção ou aumentar as importações, levando a uma concentração da atividade econômica doméstica. Esse processo acaba prejudicando as oportunidades de crescimento e inovação que vêm de uma economia diversa e dinâmica”, explica a organização.

Exigência de conteúdo local teve auge em gestões petistas

A intenção de retomar a política de conteúdo local já era sinalizada por Lula ainda durante a campanha eleitoral de 2022. Em suas diretrizes de governo, o então candidato defendeu que “a política industrial deve manter o foco nas prioridades do país e alavancar a capacidade tecnológica nacional e a inovação”.

“O Brasil é grande demais para renunciar a seu potencial produtivo. Não faz sentido importar combustíveis, fertilizantes, plataformas de petróleo, microprocessadores, aeronaves e satélites”, disse o presidente em sua cerimônia de posse no Congresso Nacional, em 1.º de janeiro. “Temos capacidade técnica, capital e mercado em grau suficiente para retomar a industrialização e a oferta de serviços em nível competitivo”.

O incentivo à contratação de conteúdo local já tem atenção da ANP desde 1999, ainda no governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB).

Naquele ano, quando ocorreu a primeira rodada de licitação de campos de exploração e produção de óleo e gás, o órgão regulador já atribuía uma pontuação maior às companhias que se comprometessem a utilizar um porcentual maior de produtos e serviços nacionais.

Mas foi a partir do primeiro governo de Lula, em 2003, que entrou em vigor a exigência de um porcentual mínimo de conteúdo local por parte das concessionárias. O contrato de concessão da quinta rodada de licitação da ANP previa multa em caso de não atendimento dos índices obrigatórios, que variavam de 30% a 70%, dependendo do bloco.

Na sexta rodada de licitação, os compromissos de conteúdo local ofertados chegaram a uma média de 86% na etapa de exploração e de 89% na de desenvolvimento da produção.

No governo Dilma Rousseff (PT), os índices exigidos variaram, para blocos em alto-mar, de 37% a 55% na fase de exploração. Nas demais etapas, ficavam entre 55% e 65%, dependendo do edital.

Uma análise qualitativa da política de conteúdo local para a indústria de petróleo e gás no Brasil, de autoria de William Vitto, concluiu que, apesar de alguns resultados positivos, a política adotada durante os governos do PT acabou sendo limitada somente à produção material, deixando de fora do conceito esforços em matéria de exportação e investimentos em infraestrutura, pesquisa e desenvolvimento.

“Assim também, pode-se considerar que a excessiva ênfase na política protecionista acarretou sérias falências no seu esboço, pois acabou sendo uma trava para a iniciativa”, diz trecho do estudo, desenvolvido no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas, Estratégias e Desenvolvimento do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Em 2017, o governo Temer cortou praticamente pela metade os níveis mínimos de conteúdo local exigidos nos leilões do setor. Para os blocos em alto-mar, o índice de nacionalização foi fixado em 18% na fase de exploração, considerando produtos e serviços. A etapa de desenvolvimento da produção passou a ter nível mínimo de 25% na construção do poço, de 40% no sistema de coleta e de 25% nas plataformas.

As regras foram mantidas no governo de Jair Bolsonaro (PL) para os principais leilões de petróleo dos últimos anos, como as últimas rodadas do pré-sal pelo regime de partilha e a oferta dos excedentes da cessão onerosa.

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