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Regime impediu Basil de jogar

Por causa do apartheid, a África do Sul já estava banida das principais competições internacionais desde 1960. Mas em 1968, o país mergulhou definitivamente no ostracismo esportivo. Mais um reflexo da discriminação.

Tido como um dos principais jogadores de críquete de todos os tempos, o sul-africano Basil D’Oliveira nunca pôde defender seu país. Por ter sido classificado como mestiço pelo governo, mudou-se para Inglaterra e passou a integrar o English Team de críquete.

Em 68, quando a equipe inglesa organizava uma excursão pela África do Sul, foi informada que D’Oliveira teria de ser substituído na equipe. "Nossas equipes são de jogadores brancos e não admitiremos equipes ‘mistas’ no país", avisou o ministro do Interior sul-africano, Piet Le Rouxe. "Se esse jogador vier, essa equipe será do movimento antiapartheid", acusou o primeiro ministro sul-africano John Vorster.

Até mesmo os tradicionalistas britânicos chocaram-se com a decisão e cancelaram a turnê pela África do Sul. Atualmente aos 78 anos, D’Oliveira vive na Inglaterra.

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A ousadia de Sono

Se o futebol tentou unir brancos e negros em 1978, a política do apartheid só foi definitivamente extinta no ano de 1990. Foi essa discrepância de 12 anos a responsável por uma das mais marcantes realizações esportivas da raça negra na época da segregação. Não foi um título, também não ocorreu dentro de um campo, mas em muito contribuiu para que Jomo Sono seja considerado como uma espécie de herói.

Em 1982, logo após retornar do Toronto Blizzard, do Canadá, ele acabou com uma grande instituição branca na África do Sul. Em uma aquisição cheia de simbolismo, o jogador comprou o Highlands Park, de Johannesburgo, na época o maior clube branco do país, e o transformou no Jomo Cosmos.

O nome da nova equipe, que existe ainda hoje, foi uma união do nome do atleta com o clube em que por mais tempo o jogador atuou, o New York Cosmos. Sono foi colega de Pelé nessa época, com quem afirma ter formado uma grande amizade.

Sono jogou em sua equipe até 1988, depois virou treinador e presidente. Conhecido como grande descobridor de talentos, comandou a seleção da África do Sul na Copa Africana de Nações, em 1998, e na Copa do Mundo de 2002. Atualmente, faz parte de uma comissão formada para auxiliar Carlos Alberto Parreira no comando dos Bafana Bafana.

O futebol foi o segundo esporte a se opor ao apartheid. Enquanto a segregação racial na África do Sul pegava fogo, em 1978 os clubes profissionais das ligas "brancas" e "negras" resolveram se unir e superar a barreira da cor. Antes, apenas o boxe havia tomado medida similar.

O ato simbólico foi o primeiro passo para o retorno do futebol sul-africano ao cenário internacional. Mas isso só ocorreu logo após o fim oficial do regime, em 1990. Aí sim, bastaram mais dois anos para a Fifa perdoar o país e aceitá-lo de novo em seu quadro de filiados.

Se teoricamente a partir desses dois fatos o futebol voltou a ser plural, na prática continua basicamente negro. Tanto dentro de campo como fora dele.

"É difícil ver torcedores de futebol brancos nas arquibancadas. Acho que só os vejo quando vamos enfrentar o Vasco da Gama, que foi fundado por portugueses", afirma o jogador brasileiro Éder Richartz, ex-Coritiba, que desde o ano passado atua no Free State Stars.

Como na seleção sul-africana, que tem o zagueiro Booth como único branco do time, na equipe da cidade de Bethlehem ocorre o mesmo com Éder. O que não chega a ser uma preocupação, como ocorre no rúgbi, por exemplo – considerado esporte de brancos, e por isso com uma regra obrigando cada time da liga a ter, necessariamente, uma certa quantidade de negros inscritos na competição.

"Sou uma exceção. Quase todos os jogadores de futebol são negros por aqui. Mas isto não é visto como um problema, como ocorre no rúgbi, que para o time disputar a competição tem de ter no mínimo cinco negros inscritos", complementa o jogador.

Mesmo quase duas décadas após o fim do apartheid, os dados apontam para um novo afastamento entre brancos e negros no país. No começo do ano, uma pesquisa feita pelo Insti­tuto para a Justiça e Reconciliação mostrou que é cada vez menor o número de pessoas que acreditam em um "futuro feliz para todas as raças". Em 2005, 86% da população tinha essa impressão otimista. Agora, o número caiu para 62%.

Dado que demonstra melhor o problema racial velado no país é o fato de que, em um dia normal, de cada quatro pessoas uma não falará com ninguém de outra cor; duas em cinco por considerar a pessoa de cor diferente como "não confiável".

"O racismo ainda existe, mas não é explícito. É discreto. Se nota até pela condição fi­­nan­ceira", afirma a psicóloga curitibana Josi­ane Aze­­vedo, que no começo do ano esteve na Cidade do Cabo, na África do Sul, onde fi­cou um mês e meio. "Lá, se você entra em u­ma loja de esportes, parece que não existe Copa. A maioria dos artigos à venda é de críquete e rúgbi (esportes da maioria branca). Além disso, uma camisa da seleção de futebol (esporte de maioria negra) é muito mais barata do que a de rúgbi", completa.

Mesmo que o Mundial sirva para melhorar a convivência entre negros e brancos, ainda deverá ser insuficiente para mudar o cenário de discrepância social. A minoria branca constitui ainda a maior parte da população rica e com formação acadêmica; os negros são sobretudo pobres e sem estudo. O desemprego abrange cerca de 25% da população – a maioria de ne­­gros. E, de acordo com estimativa do Banco Mun­­dial, da população de 50 milhões, cerca de 17 milhões de sul-africanos vivem com menos de US$ 2 por dia.

"O enfrentamento com outros países pode ajudar, ao menos momentaneamente, no sentimento de patriotismo. Mas a questão é que não mascara, apenas cobre as feridas deles por enquanto", afirma Sérgio Gil, doutor em Ciências Políticas pela USP e professor da Faculdade Rio Branco, de São Paulo.

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