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Detalhe do afresco A Criação de Adão, de Michelangelo Buonarroti.
Detalhe do afresco A Criação de Adão, de Michelangelo Buonarroti.| Foto: Unsplash

Alguns dias atrás, lendo uma matéria do jornal BBC News Brasil, me deparei com essa pergunta: A ciência é capaz de comprovar a existência de Deus? Intrigado, pensei, que ciência? Então abri a matéria e decidi estudá-la com mais atenção. Não pretendo aqui discutir todos os argumentos da matéria, pois não há espaço. Por hora, convido-vos a procurá-la na web. Apenas refletirei sobre a pergunta presente no início do texto: Se Deus existe, ele está sujeito às leis da física?

Dito isso, gostaria de chamar a atenção para o fato de que essa pergunta traz consigo todo um desconhecimento da milenar tradição ocidental da ciência chamada metafísica, sobretudo, de sua parte superior, a teologia natural ou teodicéia. Dentro dessa tradição, encontramos a tradição tomista. Para essa tradição – em sentido metafísico – sujeito é uma palavra cara, pois significa que algo é suporte ou sustentáculo de outra coisa, sendo a sua base concreta de existência. A substância, por exemplo, é sujeito dos acidentes da qualidade, quantidade, relação, lugar etc.

Deus não pode fazer algo contrário ao princípio de identidade, por exemplo. Mas Deus não poder fazer isso é uma limitação de sua onipotência?

Afirmar, portanto, que Deus possa estar sujeito às leis da física não tem o mesmo significado que para a metafísica tradicional, mas significa o seu contrário, isto é, que Deus é dependente das leis da física como os atributos ou acidentes o são da natureza ou da substância. E essa ideia, do ponto de vista da filosofia tomista, é até mesmo risível.

Pois, em verdade, Deus é o sujeito, a causa, o princípio de todas as coisas, participando-lhes o ser. Deus é Ser subsistente em si mesmo. Os entes, todos eles, naturais ou sobrenaturais, são entes por participação. Deus participa o ser até mesmo das leis da física! Ou as leis da física são a causa de si mesmas?

As leis da física estão submetidas às noções reais de ser, ente, essência, matéria, forma, causa, etc. Assim como todas as coisas. Deus é quem transmitiu o ato de ser (actus essendi) até mesmo as leis da física, lhes dando, nesse ato de ser, uma identidade, uma natureza, uma ordem, uma finalidade e uma existência. Digo de novo: a ideia de Deus possa estar “limitado” pelas leis da física, frente a teodicéia clássica, chega a ser absurda, risível e digna de pena.

A pergunta feita na matéria é: “Se existe um Deus que criou todo o universo e todas as leis da física, Deus segue as próprias leis da física (está limitado pelas leis da física)?”, mas, em verdade, a pergunta correta deveria ser: “Como pode haver leis da física se não existe Deus que as pensou e as deu o ser, a essência e a finalidade?”.

Todavia, mesmo que quiséssemos responder a primeira pergunta, poderíamos. E iríamos responder: “Sim, Deus segue as leis da física, pois Ele as pensou, as ordenou e as deu a sua proporcionalidade devidas, mesmo que existissem ‘multiversos’”. Vejam, são as leis da física que estão submetidas a esses princípios (ato de ser, essência, existência, forma, ato e potência etc.) e esses princípios a Deus. Portanto, se as leis da física estão submetidas a esses princípios, então elas estão submetidas a Deus.

Além disso, em que outro sentido Deus poderia estar “submetido” ou “limitado” pelas leis da física? No sentido de que Deus não pode fazer nada contrário a própria natureza Sua ou do bem dessas leis, ou uma lei que seja contraditória em si mesma. Pois Deus não pode fazer algo contrário ao princípio de identidade, por exemplo. Mas Deus não poder fazer isso é uma limitação de sua onipotência? Claro que não, pois poder fazer o mal não é um ato de perfeição ou do poder divino, mas de imperfeição. E Deus é perfeito. Logo, mais uma vez, a pergunta não faz nenhum sentido.

Por isso, ao ler esse tipo de matéria ou estudo, podemos perceber claramente que alguns desses famosos cientistas não possuem nenhum conhecimento (ou quase nenhum) do estudo sobre Deus ou de seus atributos. Estudo esse que é muito caro para a teologia natural que se desenvolveu desde Aristóteles. Vejam, desde Aristóteles! É uma pena, pois muitas dessas falsas perguntas seriam facilmente evitadas.

Como a inteligência humana pode chegar tão baixo?! Voltemos cada vez mais ao estudo da física clássica, sobretudo a física aristotélico-tomista, pois ali encontraremos o sustentáculo metafísico para até mesmo o diálogo com a ciência moderna, naquilo que ela tem de verdadeiro e de bom.

Em breve será publicado, pela editora Contra errores, pela primeira vez em português, o Comentário de Santo Tomás de Aquino a Física de Aristóteles, e será um marco, certamente para os interessados no estudo da ciência do ens mobile.

Willian Kalinowski, graduado, mestre e doutorando em Filosofia, é professor, membro pesquisador da Sociedade Brasileira para o Estudo da Filosofia Medieval; membro do Conselho Científico do Instituto De anima. É autor do livro “O intelecto e as virtudes intelectuais em Santo Tomás de Aquino”.

Conteúdo editado por:Jocelaine Santos
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