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Elon Musk, dono do X (antigo Twitter), em visita a uma fábrica da Tesla na Alemanha, em março de 2024.
Elon Musk, dono do X (antigo Twitter), em visita a uma fábrica da Tesla na Alemanha, em março de 2024.| Foto: Filip Singer/EFE/EPA

Seria um ótimo começo de uma piada, mas não é. Na semana passada, tivemos mais um episódio de nossa tragicômica série brasileira, uma troca de farpas entre um bilionário americano e um juiz do Supremo Tribunal Federal. Elon Musk, o dono da X, antigo Twitter, questionou as decisões do ministro Alexandre de Moraes, dizendo que levantaria o bloqueio das contas desativadas por ordem do STF, endereçando a seguinte pergunta ao magistrado, “Why are you demanding so much censorship in Brazil?”[Por que você está exigindo tanta censura no Brasil?].

Dado o perfil dos dois combatentes e a arena polarizada em que vivemos, o assunto tomou grandes proporções e novamente virou uma disputa entre direita e esquerda. Mas não devemos nos distrair, garantindo que a nossa posição seja influenciada pelo assunto em si, e não pelo interlocutor. O assunto em questão é a nossa liberdade de expressão e é sobre isso que devemos falar.

A liberdade de expressão deve ser plural e para todos. Nós, brasileiros, não podemos aceitar nenhum passo para trás neste assunto.

A luta contra a censura no Brasil não é de hoje. Durante a ditadura, a censura prévia de jornais, revistas, filmes e afins era prática comum do governo, o qual buscava controle absoluto para evitar críticas e contestações ao regime. Além disso, o governo exercia pressão constante nos veículos de mídia, para que estes adotassem uma linha editorial favorável à situação; e, quando algo ou alguém saía da linha, esforços não eram medidos para punir os opositores.

Com a promulgação da constituição de 1988 foram inseridos artigos muito claros para proteger a liberdade de expressão dos brasileiros, evitando que o passado se repetisse. Como o Artigo 5º, inciso IX, diz: “É livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”. O Artigo 220 ainda reforça “A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma processo ou veículo, não sofrerão qualquer restrição”, completando no seu primeiro e segundo parágrafo, respectivamente, “Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade jornalística em qualquer veículo de comunicação social” e “é vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística”.

Concordo que é difícil ser mais claro que isso, mas o problema começa quando se tem um STF com poderes de Congresso, mais preocupado em legislar e engajar em pautas políticas do que em se ater aos seus princípios básicos: defender e garantir a aplicabilidade da Constituição, protegendo os direitos fundamentais dos cidadãos, sempre dentro da neutralidade da lei.

Decisões como censura a canais de mídia em época de eleição e bloqueio de redes sociais de influenciadores, apresentadores e opositores, vão contra todas as diretrizes apresentadas anteriormente, tornando o princípio da liberdade de expressão um benefício dado apenas a alguns. É evidente que os não censurados apoiam tais medidas, em “defesa da democracia”, mas o precedente que essas violações criam pode afetar todos os lados no futuro caso não sejam combatidas.

Mas e a luta contra discursos de ódio e fake news onde se encaixa? No livro Contra toda a Censura, o autor Gustavo Maultasch diz que a liberdade de expressão tem como característica ser irrestrita, isonômica e não-arbitrária, sendo igual para todos, gostemos ou não do conteúdo. Se ela valer apenas para alguns tipos de discurso, perde sua razão de ser. Ele explica que a defesa de discursos extremos – ou ditos “discursos de ódio” – servem como um escudo, no sentido de que, se até este tipo de argumentação for protegido pelo princípio da liberdade de expressão, poderemos, então, ter certeza de que todos os outros discursos, inclusive as críticas às instituições, aos poderosos e aos decisores, também serão tolerados e aceitos.

Maultasch completa que a própria sociedade deveria ter a capacidade de abafar tais discursos por si só, sem a intervenção arbitrária do Estado, salvo em situações de perigo iminente. Quanto às fake news, defende que, se houver tempo para expor, pelo debate, a falsidade e as falácias, o remédio a ser aplicado é mais discurso e não a censura. É evidente que discursos antivacina, por exemplo, levantados na época da pandemia pelo então presidente Jair Bolsonaro não têm nenhum suporte científico. Mas, não seria a sociedade capaz de sufocar esses discursos por si só, dado que a democracia aposta no bom senso da maioria? Se nós nos tornamos dependentes de uma instituição federal para nos dizer quais informações são verdadeiras ou falsas, o que isso dirá sobre a nossa democracia, nossa capacidade e nossa liberdade de expressão?

Talvez Elon Musk tenha, sim, outros interesses econômicos por trás destas críticas a Alexandre de Moraes, como dizem muitos veículos de esquerda. Ou talvez ele seja mesmo um grande defensor da liberdade de expressão, como defendido pelos apoiadores da direita. No final, o que esta situação exige de nós é nos colocarmos acima do fogo cruzado e perceber que o principal foco desta conversa é o nosso direito de nos posicionar, nosso direito de criticar pessoas e instituições do governo, quando necessário, sem o receio de nenhuma retaliação.

A liberdade de expressão deve ser plural e para todos. Nós, brasileiros, não podemos aceitar nenhum passo para trás neste assunto, depois de termos lutado tanto para conquistarmos esse direito. E se no meio do caminho precisarmos da ajuda de algum bilionário intrometido para isso, que seja!

Yuriy Szymanskyj é descendente de ucranianos, engenheiro de produção e profissional do mercado financeiro. É associado ao Instituto de Formação de Líderes de São Paulo (IFL-SP).

Conteúdo editado por:Jocelaine Santos
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