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Apesar das pressões para demitir os ministros Alexandre Padilha (Relações Institucionais) e Rui Costa (Casa Civil),presidente Luís Inácio Lula da Silva (PT) resiste e ainda respalda ações do núcleo petista do governo.
Apesar das pressões para demitir os ministros Alexandre Padilha (Relações Institucionais) e Rui Costa (Casa Civil),presidente Luís Inácio Lula da Silva (PT) resiste e ainda respalda ações do núcleo petista do governo.| Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/ Agência Brasil

Nos últimos dias, o presidente Luís Inácio Lula da Silva (PT) deixou claro até que ponto está disposto a conceder espaços de poder ao Centrão em prol da sua governabilidade. Lula fustigou o embate na semana passada entre o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e o ministro das relações institucionais, Alexandre Padilha. O ato foi interpretado como uma resistência ao apetite do Centrão por verbas de emendas e por cargos, como o do próprio ministro de relações institucionais, o do ministro da Casa Civil, Rui Costa, e o da ministra da Saúde, Nísia Trindade.

Desde o início do terceiro mandato, Lula prestigia os ministros palacianos que são veteranos do PT, como Paulo Pimenta (Comunicação Social), Rui Costa (Casa Civil) e Márcio Macêdo (Secretaria Geral), além de Fernando Haddad (Fazenda). Eles formam o núcleo mais influente do governo e se beneficiam da gratidão do presidente pelos que seguiram solidários a ele nos 580 dias em que esteve preso em Curitiba, a partir de 7 de abril de 2018. Apesar de pesadas críticas, sobretudo sobre Costa e Padilha, Lula blindou o grupo cogitando só eventuais remanejamentos.

A decisão de manter Padilha no cargo “por teimosia”, como justificou o próprio Lula, foi a forma encontrada por ele de garantir certa autonomia em relação ao Legislativo, mas acabou também atrapalhando o esforço de Lira para liderar sua própria sucessão na Câmara.

Analistas consultados pela Gazeta do Povo apontam que os limites fixados por Lula para acesso a verbas e cargos podem ser ultrapassados em caso de necessidade do governo, sobretudo se o atual cenário adverso para o presidente na economia e na popularidade pessoal se agravar, minando sua capacidade de impor agendas. Mas antes de esse quadro ocorrer, Lula já teve sua "teimosia" posta à prova.

Lira impulsiona agenda conservadora para desafiar o governo

A reação de Lira à postura de resistência de Lula foi imediata. Ela aconteceu por meio de derrotas em votações, avanço da agenda conservadora da direita e novas ameaças ao governo. Na terça-feira (16), a oposição aprovou por ampla maioria pedido de urgência para votar um projeto de lei que criminaliza a atuação do Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST), aliado histórico dos governos petistas. A proposta foi aprovada por 299 a 111, como reação ao Abril Vermelho, que já registrou 21 ocupações de propriedades rurais neste mês. A urgência foi articulada na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), que aprovou o “Pacote Anti-Invasão”, para inviabilizar a atuação do MST.

Para complicar ainda mais a vida do governo na Câmara, Lira anunciou que estuda instalar cinco das oito CPIs requeridas pela oposição. Esse é o número máximo de colegiados deste tipo que podem funcionar ao mesmo tempo. Uma delas trata do abuso de autoridade de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), órgãos que têm favorecido o governo antes até da eleição de Lula. Em outra frente, o presidente da Câmara acenou para a criação de grupo de trabalho para reagir à série de operações da Polícia Federal (PF) contra deputados, como Alexandre Ramagem e Carlos Jordy, ambos do PL fluminense, e outro para tratar de redução do foro privilegiado.

Com essas ações, Lira mostrou força e afagou a oposição. O governo, por sua vez, retaliou liberando R$ 2,4 bilhões em emendas preferencialmente para senadores e deputados fiéis, sobretudo os do PSD do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (MG), e do deputado Antonio Brito (BA), candidato à sucessão da Presidência da Câmara, rivalizando com Elmar Nascimento (União Brasil-BA), o escolhido por Lira.

Planalto buscou faturar com a derrota de Lira em questão sobre prisão de deputado

As novas e fortes críticas de Lira feitas a Padilha ocorreram um dia após a manutenção da prisão do deputado Chiquinho Brazão (sem partido-RJ), apontado pela Polícia Federal como mandante do assassinato da vereadora carioca Marielle Franco (PSOL), em março de 2018. O governo se empenhou para que a base aliada não defendesse a soltura do parlamentar, no rumo inverso das articulações de Elmar Nascimento (União Brasil-BA), aliado de Lira e candidato dele e favorito para sucedê-lo no comando da Câmara em 2025.

O episódio foi visto como derrota de Lira e seu grupo político, ampliando a tensão em torno da disputa pela Presidência da Casa. A votação que manteve Brazão preso abalou a candidatura de Elmar Nascimento e favoreceu quem busca apoio do governo para o cargo: Antonio Brito (PSD-BA), Isnaldo Bulhões (MDB-AL) e Marcos Pereira (Republicanos-SP). Elmar liderou a defesa de Brazão. Brito e Bulhões votaram contra e Pereira se ausentou.

Questionado se ficou “enfraquecido” com a votação, Lira acusou o governo e Padilha em especial, de ter plantado essa tese na imprensa, chamando o articulador do governo junto ao Congresso de desafeto e incompetente. O ministro vem sendo atacado por Lira desde o começo do governo, com queixas de descumprimento de acordos e dificuldade em liberar emendas. A rusga se intensificou ao se saber que Padilha tem influência sobre a liberação de verbas no Ministério da Saúde, do qual já foi titular.

O veto de Lula à distribuição de R$ 5,6 bilhões em emendas para comissões permanentes de Câmara e Senado tinha perspectiva de ser derrubado em sessão conjunta do Congresso nesta semana, mas foi adiada para dar tempo de o Executivo construir uma saída envolvendo a recriação do DPVAT (imposto criado inicialmente para custear tratamento a vítimas e danos causados em acidentes de trânsito).

Especialistas dizem que governo corre riscos ao desafiar o Centrão

Eduardo Galvão, professor de relações institucionais e políticas públicas do Ibmec-DF, interpreta a briga entre o presidente da Câmara e o ministro da Casa Civil tanto como demonstração de autonomia política de Lula quanto uma estratégia arriscada dele, que pode complicar a relação entre Executivo e Legislativo. “A clara delimitação de território por parte de Lula e do núcleo petista esbarra no fato de Lira ser reconhecido como principal coordenador de votações e articulador entre diferentes grupos”, sublinhou. Para ele, a crise retrata a realidade da República nos últimos anos, em meio a alianças frágeis e negociações constantes.

Segundo Galvão, ao descrever Padilha como “desafeto pessoal” e questionar a competência do ministro, Lira evidenciou rivalidade não só pelas verbas do Orçamento, mas pelo controle da agenda legislativa do governo. A “teimosia” de Lula pode ser uma tentativa de sinalização de força do Presidente da República, revelando intenção de proteger interesses do partido e da sua gestão. “No entanto, a resistência também expõe o governo a riscos no longo prazo, visto que a cooperação do Centrão é essencial para aprovar leis e garantir estabilidade”, disse.

Na visão de Luiz Felipe Freitas, cientista político e assessor legislativo da Malta Advogados, o confronto entre Lira e Padilha sugere que o governo se empolgou com a decisão do plenário de manter preso o deputado Chiquinho Brazão e dobrou a aposta em tom incomum e emocional, visando isolar o presidente da Câmara. “A cartada arriscada, se vingar, pode condenar Lira ao ostracismo dos antecessores. Caso contrário, pode chegar ao extremo do impeachment do presidente da República, tal qual ocorreu sob a batuta de Eduardo Cunha (MDB-RJ)”, explicou.

Freitas lembra que, em meio ao mal-estar com Lira, o governo ainda demitiu Wilson César de Lira Santos, primo do presidente da Câmara, do cargo de superintendente regional do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) de Alagoas. Nos bastidores, Lira reclamou da falta de “aviso prévio”. A decisão do governo, por sua vez, explicitou a ousadia da aposta de isolamento do deputuado. “Há ainda a tentativa do governo de negociar diretamente com as bancadas, algo não testado e que desafia o presidente da Câmara”, acrescentou.

De toda forma, a insistência de Lula pode levar a uma situação em que, sob pressão crescente e necessidade de apoio legislativo, o Centrão elevará o preço da governabilidade. Tal cenário também enfraquece a base ideológica do Planalto e pode desacelerar as políticas progressistas do PT.

O cientista político Leandro Gabiati, diretor da Dominium Consultoria, não acredita, contudo, que a rixa entre Planalto e Lira congelará as relações entre os poderes. “A Câmara garantirá a pauta do ministro Fernando Haddad (Fazenda), com quem se entende em paralelo. “Além disso, haverá trégua devido a compromissos de cada lado com a campanha eleitoral”, disse.

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