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Clima jacobino impede debate civilizado no Brasil
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Tenho tomado o cuidado de começar meus textos ou vídeos afirmando que entendo perfeitamente o clima de revolta no ar em nosso país. O povo está esgotado, saturado, descrente, mergulhado numa crise sem fim, rejeitando toda e qualquer saída por meio das instituições atuais, corrompidas. Aliás, eu alertei lá atrás, em vários textos, que isso aconteceria. O establishment ignorou por tempo demais o povo, e abusou do poder como se fosse permanecer impune para sempre.

Mas não é por compreender o clima que devo aplaudir a reação. Nem pretendo, aqui, rejeitar de cara qualquer mérito dos caminhoneiros, ou afirmar categoricamente que esses métodos são equivocados e vão certamente falhar. Não se sabe ainda. O ponto, porém, é outro: chamar a atenção para o risco de se ignorar argumentos, impedir reflexões e asfixiar debates civilizados.

Tenho notado, com tristeza, a enorme quantidade de gente “do lado de cá” que adota o mesmo modus operandi dos petistas, só que com sinal trocado. Muitos eram petistas até ontem, talvez. Quando levanto questões sobre o perigo desse ambiente revolucionário, por exemplo, alguns falam que não conheço as dificuldades do trabalho do caminhoneiro, que eu tinha que rodar num caminhão uma semana para entender. Não é o mesmo tipo de “argumento” que petistas usam para justificar os crimes cometidos por seus aliados invasores?

Outros tantos falam que “algo radical deve ser feito”, que é preciso “mudar” de qualquer jeito. Tudo bem, mas param para pensar que mudança, por si só, não necessariamente é mudança para melhor? Esqueceram que o slogan da campanha de Obama era justamente sobre mudanças? Sempre que a situação estiver ruim os populistas falarão sobre mudanças, mas é preciso lembrar que se pode regredir numa mudança também.

Tem o grupo ainda que me ataca por não estar no Brasil. Ora, se eu faço crítica ao clima jacobino dessa greve, é porque “é fácil falar pois mora fora do Brasil”. Mas se outro formador de opinião à direita que também mora nos Estados Unidos elogia a greve, um dia depois de critica-la, então essa distância do país não é mais um problema, nem a mudança repentina. Duplo padrão, a gente vê da esquerda à direita.

No mais, morar longe do Brasil não poderia ser um fator relevante justamente para não se preocupar tanto em ver o circo pegar fogo de vez? Não poderia ser como os comunas chiques, que pregam a revolução bolivariana de Paris? Revoluções são charmosas para “intelectuais”, mas em raríssimos casos dão certo. Normalmente, pescoços rolam, muito sangue é derramado, e tudo muda para que tudo continue igual (como sabia Lampedusa).

Bane, o vilão do Batman, canalizou a revolta popular e passou a falar em nome do “povo”.

Essa confusão toda em que o Brasil mergulhou, em boa parte por culpa do PT, gera esse tipo de reação, e os nervos estão à flor da pele. Muitos não querem saber de debate, argumentos, conversa. O tempo para diálogo acabou, dizem, e agora é guerra. “Desobediência civil”, gritam. Como tenho amigos sensatos embarcando nessa, dou o benefício da dúvida: será que restou apenas esse caminho arriscado mesmo? Já cansei de falar que fico dividido entre meu lado Thomas Paine e meu lado Edmund Burke. Acho que a maioria das pessoas com bom senso se sente assim hoje.

Mas meu papel não é o de um agitador das massas, um atiçador de ânimos exaltados, um irresponsável que joga mais lenha na fogueira. Meu papel é tentar trazer mais luz, não mais calor. É focar nos argumentos, nas lições da História, em propostas factíveis, não em soluções mágicas. E sei que muitos perguntam: então qual a solução prática? E acrescentam: “Não venha dizer que são as urnas!”

Não mesmo? Vamos desistir de vez de tentar construir um país minimamente sério, com instituições mais sólidas? Vamos embarcar numa aventura autoritária que sabemos como começa – colocando um pouco mais de ordem na bagunça – mas não sabemos como termina (pode ser com uma ditadura por décadas à frente)? Vamos flertar com o “fascismo do bem”, com um “déspota esclarecido”, e abandonar de vez a esperança de ter uma democracia liberal?

Lamento, mas não contem comigo nessa empreitada. O grande mérito de gente como Raymond Aron e Isaiah Berlim foi não perder a cabeça quando as alternativas pareciam apenas o totalitarismo de um lado ou do outro, mantendo-se firmes na defesa dos valores liberais. É preciso quebrar ovos para fazer uma omelete? Não há parto sem dor? Os nobres fins justificam quaisquer meios? Desculpa, mas são slogans de revolucionários marxistas, de jacobinos. E dessa turma eu quero distância!

Volto ao começo: entendo o desespero, mas ele não é garantia de boas decisões. Ao contrário: pessoas desesperadas, sem nada a perder, podem muito bem jogar a toalha e partir para o tudo ou nada, brincando de roleta russa. Que façam isso isoladamente, vá lá, mas que façam com toda uma nação, não posso aceitar – muito menos aplaudir e incentivar. Minha voz, ainda que solidária a todos os patriotas esgotados desses governantes safados, pedirá outra coisa: cautela!

Rodrigo Constantino

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