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“A culpa é de vocês, cientistas. Porque vocês não têm a linguagem para comunicar”, disse Meirelles em palestra. | Adalberto Rodrigues /
Fundação Grupo Boticário
“A culpa é de vocês, cientistas. Porque vocês não têm a linguagem para comunicar”, disse Meirelles em palestra.| Foto: Adalberto Rodrigues / Fundação Grupo Boticário

O que um cineasta pode ensinar a cientistas? Um dos brasileiros mais respeitados no cinema internacional acredita que a linguagem emotiva das telonas tem o poder de traduzir o discurso frio dos pesquisadores. Fernando Meirelles esteve em Curitiba no fim de setembro e falou para mais de mil ambientalistas durante o 8º Congresso Brasileiro de Unidades de Conservação (CBUC).

A proposta de Meirelles é controversa, uma vez que a ciência é complexa – e que, ao simplificá-la, muito se perde. A ciência também é racional e deveria gerar conscientização a partir do pensamento, defende, enquanto que a linguagem cinematográfica apela ao emocional.

Diante de uma plateia atenta, ele disse que tem pensado muito sobre como mobilizar as pessoas e sobre o porquê de os dados ambientais não serem capazes de mudar atitudes. “A culpa é de vocês, cientistas. Porque vocês não têm a linguagem para comunicar. A ciência tem de ter um rigor. Vocês estão se comunicando entre vocês e se esquecem que as pessoas que estão fora do círculo não estão interessadas. O sapo que você estuda é a sua vida, mas os outros não estão nem aí para o seu sapo”, disparou.

Meirelles destacou que enquanto na comunicação científica o que interessa é a resposta, numa história, a preocupação é a pergunta. O discurso, portanto, não poderia seguir a lógica pedagógica, para não ficar chato, dando lição, ou vira uma aula”.

O que transforma a pessoa é o recado emocional. Ela tem de sentir no corpo, no coração. Não adianta ficar só na estatística, números, planilhas. Estou convencido de que a única maneira é contando histórias.

Fernando Meirelles, cineasta

O cineasta citou como exemplo o médico Dráuzio Varella, que consegue falar sobre Síndrome de Down ou tabagismo de um jeito interessante. “O que transforma a pessoa é o recado emocional. Ela tem de sentir no corpo, no coração. Não adianta ficar só na estatística, números, planilhas, ou vai estar falando para a sua tribo. Estou convencido de que a única maneira é contando histórias. Você ensina as crianças a partir de histórias. As religiões passam preceitos morais assim. A Bíblia não tem estatísticas.”

Conhecido por filmes como Cidade de Deus, O Jardineiro Fiel e Ensaio sobre a Cegueira, Meirelles deu uma aula básica de roteiro. Ele explicou que, a partir de princípios do filósofo grego Aristóteles, a maior parte das produções cinematográficas segue o modelo de contar uma história a partir de um personagem – com quem o público deve se identificar.

O relato é dividido em três atos: a pena, o medo e a catarse. Num primeiro momento, há a empatia com a situação do protagonista, depois ele passa por momentos de desespero, até encontrar a redenção. “A gente vai ao cinema pela catarse. Gostamos de sofrer”, comenta. Meirelles argumenta que, mesmo agindo por meio de um “banho de neurotransmissores”, o cinema [e outros meios de comunicação] tem o poder de mudar mentes e engajar pessoas.

“Meu maior pesadelo é a questão ambiental. É o maior desafio que a humanidade tem pela frente, principalmente o aquecimento global. Eu não durmo por causa desse assunto. Estou virando ambientalista por puro desespero”, disse.

Nas fazendas da família, Meirelles está trocando aos poucos lavouras por plantio de árvores. “Estamos caminhando para um buraco e a sociedade está adormecida. Como despertar a sociedade? Eu já participei de campanhas, mas parece que você não mobiliza. Você acaba falando para as mesmas pessoas, aquelas que já têm interesse e estão convencidas”, diz, justificando que a linguagem precisa ser emotiva e contar uma história.

O cineasta avalia que, além de simplificar a linguagem, é necessário dar esperança às pessoas — principalmente em casos que envolvem situações dramáticas como a extinção de espécies ou o aquecimento global, para não parecer uma causa perdida. Ele diz acreditar que o tema meio ambiente está desgastado: “Lembro de quando começaram as primeiras campanhas pelo mico leão dourado, ‘salve as baleias’, mas só isso não atrai mais [o público].”

Cineasta está fazendo série para a BBC sobre aquecimento global

Fernando Meirelles está trabalhando em uma série de seis episódios para a BBC. A produção sobre aquecimento global para a TV britânica será filmada em vários continentes, incluindo cenários como o Ártico e a Amazônia, e deve ser concluída no final do ano que vem. Para chamar a atenção para as mudanças climáticas, ele prepara um thriller político e policial, com direito a cenas de sequestro. “Meio ambiente virou o tema da minha vida”, contou o cineasta, que vai participar da conferência da ONU sobre o Clima, no final de novembro, em Paris. “Estou me tornando cada vez menos cineasta e mais ambientalista.” O cineasta realizou recentemente o filme A Lei da Água sobre a necessidade de preservação dos mananciais em meio às regras do Código Florestal.

Produtor do mais novo sucesso da Netflix, Narcos, Meirelles volta a Curitiba nesta semana. Ele participar de um bate-papo sobre os rumos do audiovisual durante o evento Conversarte, no dia 15 de outubro, no Teatro Bom Jesus, no Centro. (KB)

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