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Fui procurar no Houaiss o significado da palavra "jerico", temendo que a memória estivesse me traindo. Desta vez, não: é "jumento" mesmo. Essa preocupação me veio à cabeça ao reencontrar na rua meu velho amigo Matozo, hoje desempregado. Já se dedicou a reparar máquinas de escrever, depois tornou-se especialista em carburadores; em seguida, fez um curso intensivo de relógios mecânicos e um estágio numa oficina de toca-discos de vinil; finalmente se transformou num gênio da informática, na parte de hardware, que parece não ter futuro por aqui, ele me diz – hoje tudo já vem empacotado. Não sobra nada para a garagem de casa.

Antes que pensem que sou um amigo ingrato, explico que o título desta crônica veio dele mesmo. "E o que você anda fazendo?", perguntei. "Como as boas ideias não funcionam, agora eu me dedico às ideias de jerico. Isso tem muito futuro no Brasil." Mas ele não riu, como seria óbvio; temi que, em seguida, me dissesse que estava se candidatando a algum cargo político. Nada disso. Me arrastando para um cafezinho na Boca Maldita, explicou o seu plano:

"Quero abrir a campanha ‘Fifa para a Presidência’."

Deixei o café esfriar na mão, tentando entender. Ele esvaziou a xícara num gole sonoro e me fitou com seu olhar astuto, saboreando minha perplexidade. E então, pousando a xicrinha no pires, passou a explicar o projeto com a racionalidade fria dos iluminados:

"Veja bem: qual foi a única coisa que se fez no Brasil nos últimos anos? Ora, uma dúzia de estádios de futebol. Aliás, estádios fantásticos, com um padrão de qualidade acima de qualquer expectativa que pudéssemos ter apenas cinco anos atrás. Mesmo na mata amazônica, ou perdido no Pantanal, ou no cerrado brasiliense, aqui mesmo na Baixada, em toda parte estão os estádios calando a boca dos pessimistas, naves espaciais metálicas descidas do céu, a iluminação fulgurante, aqueles ETs coloridos chutando bola no tapete verde!

Olhei em torno, disfarçando: Matozo elevava demais a voz, louco em busca de plateia. Mas sussurrou em seguida, conspirador: "E por quê? Ora, porque a Fifa quis. Ameaçou até dar um chute no traseiro dos brasileiros se a coisa não saísse. Ficaram em cima, fiscalizando, dando entrevista na ONU, denunciando. E a coisa está saindo, mesmo com atraso. Proibiram até farofada na praia. Não pode. Mais: a palavra ‘pagode’ é deles até o final do ano; quem usar sem autorização, paga mil flexões, eheh." Espetou o dedo no meu peito: "Com a Fifa na Presidência do país, o Brasil cumpriria enfim seu grande destino!" Eu ainda quis argumentar que a Fifa é uma entidade, não uma pessoa; que tem uma folha corrida de corrupção; que é estrangeira; que aquilo era realmente uma ideia de jerico – mas ele, com um sorriso ambíguo, deu dois tapinhas no meu ombro, piscou o olho e saiu para a rua, sem mais explicações. E eu ainda tive de pagar o cafezinho.

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