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Invejo os negociantes de automóveis – falo dos livre-atiradores, aquele colega de trabalho ou o primo do amigo que faz milagres trocando de carro a cada seis meses. Como sou de uma incompetência atroz na área – a simples ideia de vender um carro, o anúncio, a barganha, o pré-datado, tudo isso me dá uma angústia metafísica – tenho em altíssima conta os trocadores compulsivos de automóveis. Há quem os chame cruelmente de "picaretas", essa palavra saborosa que a cultura brasileira reservou à zona cinzenta entre o negócio formal e o informal. Bem, eu cheguei a arrastar um Lada durante sete anos, como o Labão bíblico, só de preguiça de enfrentar um comprador e convencê-lo de que aquela tralha seria um bom negócio. De vergonha, acabei desovando meu próprio carro numa loja de autopeças por 30 moedas.

Negociar carros é uma arte. Tenho um amigo que, em três anos, trocou seis vezes de carro e duas vezes de mulher – sempre com vantagens, ele me garante, mostrando um apartamento muito bom que acabou quitando com o lucro do último Santana. "O carro está tinindo", gabou-se ele antes da entrega, explicando os detalhes – nenhuma batida, motor afinado, estofamento de couro, rodas de alumínio. Abriu o porta-malas: "Veja o estepe. Nunca foi usado." Enfim, um brinco. "Nem sei por que vendi". O apartamento, por sua vez, era um financiamento do antigo BNH, que foi trocando de dono e de ação judicial até cair nas suas mãos seguras. Aliás, já tem um comprador de olho – e ele fala do imóvel como se quisesse me vender, sondando.

Sempre lembro de um velho conhecido que tinha uma revenda de automóveis. Uma vez ele me mostrou um belo fusca azul, brilhando na vitrine, que me interessou. Eu andava sonhando com uma condução barata, naqueles longínquos anos 70. Ele me puxou pelo braço e sussurrou, segredante: "Meu amigo, esse não vou te vender. Veja aqui" – e mostrou um fio insidioso de ferrugem no lado da porta. "Olhe embaixo", e me fez enfiar a cabeça para baixo do carro: "O chassis está torto". Abriu a tampa do motor: "Já foi feito duas vezes, e vai estourar de novo". Fiquei intrigado: "Mas quem vai querer comprar esse carro!?"

Ele sorriu, poderoso como um rei Midas. "Nesse exato momento há alguém em Curitiba indo de loja em loja atrás de um fusca azul, e o que ele quer é exatamente esse aqui." Arrematou com uma piada horrenda, típica daqueles tempos politicamente incorretos, e que só reproduzo por amor à historiografia honesta: "Ao contrário das mulheres, carros nunca encalham." Passei na loja uma semana depois e, de fato, o fusca não estava mais lá. Ele fez um sinal triunfante de positivo: "Não te falei?" Até hoje fico matutando se não teria sido melhor ele fechar a boca e me vender o fusca – por esses paradoxos misteriosos, eu teria passado a vida acreditando mais nas pessoas e menos nos carros.

Cristovão Tezza é escritor.

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