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Pensando em dar uma alavancada na venda modesta dos meus livros, pertencentes todos à malfadada família que se chama "literatura de ficção", concluí que devo escrever o quanto antes uma obra de autoajuda. Todas as listas de best sellers gritam: o povo quer autoajuda. Em defesa, escritores refinados dizem que uma boa obra literária revela-se, afinal, "autoajuda", mas isso é um truque para enganar trouxas, tentando levar o leitor, desonestamente, a comprar aspargos imaginando que são chuchus. Não são.

Quem deu a ideia foi meu tio Peçanha, que está passando uns dias aqui em casa. Ele gosta de laranja lima e de dar palpites. E me desafiou: custa alguma coisa escrever uma autoajuda? Fica aí com essa cara de não-me-toques, nessa torre de plástico que se finge marfim! Vamos lá, uma só autoajudazinha, feijão-com-arroz, algo que dê um bom dinheiro para reforçar o rancho, e então você volta para as palavras cruzadas, que a vida estará ganha.

Ele me convenceu. Certamente não vai me custar nada escrever uma autoajuda – afinal, já sou conhecido na praça, há 50 anos no ramo dos livros. Entusiasmado, faço uma lista de princípios básicos: na cobertura, evitar frases longas, enxugar o vocabulário, ir direto ao assunto; no recheio, lembrar a importância de Deus, colocar uns sorrisos de crianças, uma boa dose de solidariedade, um aperto de mão, um sábio chinês, duas ou três frases de efeito que o leitor já conheça, meia dúzia de provérbios, alguma coisa em câmara lenta com um tom suave – não deve ser tão difícil.

Começando pelo título, já esbarrei no "prolegômenos" – que idiota compraria um prolegômeno? Tira o prolegômeno. Depois eu penso no título. Vamos diretamente ao principal: o que eu tenho a dizer ao leitor que seja realmente uma autoajuda? Quer dizer, se der certo, o livro vai me ajudar a pagar as contas e será uma autoajuda stricto sensu. Mas é o leitor que quer ser ajudado a se ajudar por si, se não estou cometendo uma falácia filosófica. Tenho de lhe dar algum conselho, passar uma mensagem edificante, uma dica, uma boa orientação, uma palavra realmente útil, que ele valorize a ponto de pagar por ela e espalhar a notícia. Espremo a cabeça, aciono as sinapses todas, fecho os olhos com força para produzir alguma luz na escuridão e não encontro um único maldito conselho a dar a ninguém.

Mas não desisto; a persistência é a alma da autoajuda. Inverto a equação, tentando romper a charada em que me meti: o que, afinal, me ajudou? Qual a mensagem que cultivo no meu dia a dia? É essa que o leitor quer saber, o grande segredo, e, eureca!, enfim começo a obra. "Capítulo 1 – não perca tempo com besteira". Bem pesado, eis aí o que tem dirigido minha vida, uma afirmação que me parece autoexplicável. E no entanto não é – ao ler isso, o leitor apenas fechará o livro, desistindo da compra. Melhor eu – mas acabou o espaço.

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