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Muito se tem falado das calçadas de Curitiba. Não há cronista que, por momentânea falta de assunto, não tenha cometido alguns parágrafos sobre esse centenário suplício curitibano de andar de cabeça baixa, de olho vivo no chão. E também não há candidato a prefeito de Curitiba que não reclame das pedras de petit-pavé que atiram em seus respectivos telhados de vidro.

Último apelo em defesa dos calçamentos veio da professora e historiadora Cassiana Lacerda, com uma momentosa sugestão nas redes sociais: “Cheguei a pensar que um bom projeto para candidato a prefeito seria trazer para Curitiba professores da Escola de Calceteiros de Lisboa. Hoje, considero de bom tamanho trazer a Curitiba bons varredores. Nossas calçadas estão imundas, além de terem buracos-armadilhas. Comecemos com a limpeza básica”.

Houve um tempo em que as nossas calçadas eram limpas e caprichadas. Principalmente seguras, quando o curitibano saía às ruas de cabeça erguida, confiando na cidade que tinha a seus pés. Não se sabe ao certo em que época foi isso, pois faz tanto tempo que por algumas gerações ninguém consegue percorrer a Saldanha Marinho de cabo a rabo sem amaldiçoar o prefeito.

Em Portugal as calçadas fazem parte do patrimônio cultural. E não apenas as calçadas, também os calceteiros

Verdade ou não, dizem que a origem de nossas calçadas está na fuga da família real para o Brasil, quando Dom João VI fez questão de trazer entre os seus homens de confiança um mestre calceteiro: “Sabe-se lá onde vou botar os meus pés?”, teria dito Sua Majestade a um sapateiro enciumado.

De mármore ou de granito, de basalto ou de calcário, até mesmo com pedrinhas de brilhante se preciso for, em Portugal as calçadas fazem parte do patrimônio cultural. E não apenas as calçadas, também os calceteiros portugueses são tão reconhecidos e reverenciados que em 1986 a Câmara Municipal de Lisboa criou a Escola de Calceteiros, para preservar os conhecimentos sobre a arte de calcetar dos velhos mestres, assegurando a sobrevivência das tão famosas calçadas portuguesas.

O chamado mosaico português (também é conhecido por petit-pavé), em calcário branco e preto, foi empregado pela primeira vez em Lisboa no ano de 1842, por presidiários então chamados “grilhetas”. A iniciativa partiu do Governador de Armas do Castelo de São Jorge, tenente-general Eusébio Cândido Furtado. Para a época foi uma obra de certa forma insólita, que motivou versos satíricos dos cronistas portugueses. O sucesso foi tanto que o tenente-general ganhou novas verbas para pavimentar toda a área do Rossio, a região central de Lisboa, levando a pavimentação a se espalhar por toda a cidade e pelo país.

Para os curitibanos voltarem a andar em segurança pelas ruas de Curitiba – sem tropeçar também na bandidagem –, a prefeitura poderia enviar aprendizes para a Escola de Calceteiros de Lisboa, no seguinte endereço: Quinta Conde dos Arcos, Av. Dr. Francisco Luís Gomes, 1800-180 Lisboa.

Bom seria que algum candidato a prefeito prometesse trazer para Curitiba ao menos um mestre calceteiro, como sugere a professora Cassiana Lacerda. Seria em boa hora, pois tanto no Brasil quanto em Portugal tornou-se difícil encontrar pessoas dispostas a assentar as pedras do caminho com todo o capricho. De cócoras na jornada de trabalho, não é obra para qualquer artesão.

“Faz frio.

Mas, depois duns dias de aguaceiros,

Vibra uma imensa claridade crua.

De cócoras, em linha, os calceteiros,

Com lentidão, terrosos e grosseiros,

Calçam de lado a lado a longa rua”

(Do poeta português Cesário Verde)

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